Neutralizar as emissões de carbono, conter o aumento da temperatura em 1,5 graus ou mobilizar financiamento são metas ambiciosas colocadas em cima da mesa na COP26, em Glasgow. Mas, e onde fica o fator Humano? Depois de percorrer alguns dos 50 pavilhões onde estão representados países de todo o mundo, escuto o testemunho de quem chegou do Bangladesh, um dos países mais vulneráveis aos desastres naturais devido à sua posição e características geográficas, nomeadamente a alta densidade populacional, enorme vegetação e grandes rios, e onde a maioria dos habitantes vive da agricultura. No seu trabalho de apoio às comunidades do Bangladesh, Mahin assistiu a perdas de vidas e a famílias e comunidades inteiras forçadas a deslocarem-se. Pessoas que perderam as suas casas, as suas terras e o seu ganha-pão. Comunidades que vivem profundas alterações sociais, na sua cultura, nas suas tradições e valores, sujeitas ao aumento da discriminação e da desigualdade de género, por exemplo, quando as suas filhas menores são arrancadas das famílias e entregues à sorte, a outras comunidades ou a casamentos precoces, na procura de uma solução para a fome. Comunidades onde a situação de pobreza se agravou fortemente, tocando em muitos casos a pobreza extrema, a que se junta a dificuldade de acesso a literacia e a serviços locais de educação, apoio social, apoio comunitário e saúde.

Aqui fala-se do fator Humano. É também humana a decisão de separar o lixo nas nossas casas, ou de uma empresa diminuir as emissões de dióxido de carbono, usando medidas ecologicamente mais sustentáveis. Foi para chamar a atenção para este fator Humano que a Ordem dos Psicólogos Portugueses e a American Psychological Association, em representação da Global Psychology Aliance (com cerca de 70 associações de psicologia de todo o mundo), esteve presente numa comitiva na COP26.

Muito se discute, ao mais alto nível de decisão, em torno dos dados e das soluções baseadas na tecnologia, mas ainda muito pouco sobre o que a ciência psicológica, psicólogas e psicólogos podem aportar em ganhos efetivos quando colocados ao serviço da recuperação, da adaptação e da resiliência das pessoas e das comunidades. No entanto, no seio das organizações e associações aqui presentes, incluindo as não governamentais, a narrativa é outra. Centra-se nas necessidades de cuidados de saúde física, mental, e de bem-estar das comunidades, e de apoio para a sua adaptação às transições, mudanças de comportamentos e recomeços necessários. Centra-se nas necessidades de uma maior e melhor organização da comunidade e coesão social, e de apoio ao desenvolvimento de competências pessoais e sociais que permitam às pessoas e coletividades uma maior capacidade de resolução de problemas. Centra-se numa acção humanizadora, nos seus valores, na sua cultura e na sua necessidade de interconexão com os outros e com a natureza. Mas nada disto se faz sem que, a um nível macro, os decisores reconheçam a importância do fator Humano, e se comprometam em priorizar e viabilizar ações concretas e sistemáticas, que permitam a construção de ecossistemas com mais qualidade de vida e mais bem-estar para as populações.

Torna-se urgente trazer mais psicologia para os processos de tomada de decisão, para as políticas públicas, para a disseminação de mais literacia suportada pela ciência, para a promoção da mudança de comportamentos individuais e organizacionais, melhorando a perceção das pessoas sobre o seu potencial e a sua capacidade para influenciar positivamente os resultados, e sobre a relação entre as suas ações imediatas e os ganhos diretos e indiretos que daí advêm, para além de enviesamentos e falácias. Em suma, é urgente sobrepor a esperança à catástrofe, ao medo ou à inação, elevando a Humanidade através do compromisso comum e do conhecimento científico, no lema mais evocado na COP26: juntos pelo nosso Planeta!

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