A psicologia está hoje indiscutivelmente consolidada como uma ciência com contributos importantes para outras áreas científicas pela comprovada ligação, aplicação e influência entre elas. Acredito firmemente que Portugal pode liderar pelo exemplo, integrando a saúde mental como pilar central da política nacional, de forma inovadora e robusta, transversal a todas as políticas públicas, reconhecendo que uma população mentalmente saudável é também mais produtiva e criativa.
A reformulação do nosso sistema de saúde, tornando os serviços de saúde mental universalmente acessíveis e com mais recursos deve ser uma prioridade, garantindo que todos os cidadãos tenham os cuidados necessários e de elevada qualidade. A integração eficaz da saúde mental nos cuidados de saúde primários e a aposta na promoção do bem-estar podem reduzir a carga da doença mental, melhorar a qualidade de vida dos cidadãos portugueses e a saúde das comunidades.
Nos próximos dez anos, a saúde mental em Portugal deve evoluir para uma forte ênfase na prevenção, na intervenção precoce e na integração dos cuidados e dos serviços, garantindo uma rede de suporte mais eficaz para todos.
A psicologia contribuirá para um novo paradigma nas políticas de saúde pública ao promover, em simultâneo, ambientes educativos, familiares, organizacionais e sociais mais saudáveis e resilientes. Os psicólogos estarão na vanguarda da inovação em saúde mental, trabalhando lado a lado com políticos, educadores, empresários e a sociedade civil para criar um Portugal mais saudável, inclusivo e socioeconomicamente mais desenvolvido.
A colaboração entre os diferentes setores, envolvendo também a educação, proteção social, justiça, habitação e emprego, será fundamental para abordar os determinantes sociais da saúde mental e para promover o bem-estar integral. Isso implica a formação de profissionais qualificados em todas as áreas, combater o estigma associado à doença mental e implementar sistemas de apoio que facilitem o acesso rápido e eficaz à intervenção.
Considerando os desafios demográficos em Portugal, será crucial a promoção de uma longevidade e envelhecimento saudáveis, para que os anos adicionais sejam vividos com qualidade e bem-estar. Isso aliviaria a pressão sobre os sistemas de saúde e os serviços sociais.
Da educação ao emprego, a reforma deve transcender as competências técnicas e enfatizar políticas e programas de promoção da saúde e de desenvolvimento de competências sociais e emocionais, contribuindo para uma força de trabalho mais adaptável e inovadora.
É incontestável a necessidade de desenvolver as lideranças. Que enfatizem processos de trabalho mais flexíveis, estimulem ambientes mais criativos e inovadores, valorizem a motivação e a satisfação com o trabalho e o desenvolvimento pessoal e profissional dos trabalhadores. Tal alinhará com as tendências globais de valorização do capital humano, facilitando a vinculação de talentos, aumentando a produtividade e a competitividade das empresas e o crescimento económico do país.
A próxima década verá na liderança feminina uma força transformadora e progressiva. A diversidade de género é imperativa ao desenvolvimento sustentável e inclusivo. Mulheres líderes trazem abordagens comunicacionais e colaborativas essenciais, enfatizam redes de apoio que alcançam os mais vulneráveis e promovem sistemas mais justos, saudáveis e pacíficos.
A base para uma convivência social futura, menos suscetível à divisão e mais inclinada à cooperação, começa na educação e estende-se aos ambientes organizacionais e corporativos. Programas de intervenção transversais devem enfatizar o valor da diversidade, a empatia e o respeito mútuo.
A psicologia, por via da compreensão dos comportamentos, atitudes, motivações humanas e dos processos de comunicação, tornar-se-á crucial para a resolução de conflitos, o fortalecimento da coesão social e a promoção de uma cultura de não-violência. Será vital na promoção do diálogo inter-religioso e intercultural e na construção da paz, podendo apoiar na implementação de projetos comunitários que promovam o entendimento mútuo e a reconciliação em comunidades divididas.
Enfrentaremos desafios e oportunidades que testarão a resiliência da nossa democracia e a força das nossas instituições. O cerne desses desafios residirá na recuperação ou construção de uma relação de confiança entre cidadãos e instituições, na preservação da memória institucional e no fortalecimento da democracia. A implementação de políticas que incentivem a representação equitativa de todas as comunidades nas decisões da vida pública e política fortalecerá o sentimento de pertença e reduzirá a exclusão social.
A responsabilidade e a participação cidadã contribuirão para um ambiente menos propício à polarização e ao extremismo, permitindo construir uma base comum de valores compartilhados. Leis que combatam o discurso de ódio, a discriminação e promovam a igualdade de oportunidades são essenciais. Programas que conectem os jovens com a história organizacional e política do país, de forma crítica e ativa.
Na frente da inovação tecnológica, o equilíbrio com a conexão humana será vital. Portugal está bem posicionado para explorar plataformas digitais que oferecem acesso a serviços de saúde mental inovadores, com recurso à realidade virtual ou aumentada, à utilização de robots ou à Inteligência Artificial.
A psicologia pode conduzir investigação sobre os impactos da digitalização na saúde mental e nas relações sociais, identificando riscos e desenvolvendo programas e estratégias para mitigá-los, preparando as pessoas para usar a tecnologia de maneira consciente, saudável e com sentido ético.
O futuro da saúde mental em Portugal é promissor, mas requer uma ação decisiva e coordenada. Nos próximos dez anos será preponderante o papel da psicologia na governança de Portugal — ações do governo, interações entre diversas entidades do setor privado, social, organizações não governamentais e sociedade civil. Teremos políticas públicas mais eficazes, empáticas e adaptadas às diversas realidades.
Vislumbro um amanhã onde a compreensão dos processos psicológicos é integrada no coração da governança, promovendo o bem-estar coletivo, a coesão e a resiliência nacional, e desta forma um Portugal mais sustentável para as próximas gerações!
Se tal não acontecer, assistiremos à multiplicação das desigualdades, da exclusão, do mal-estar e dos problemas de saúde mental, comprometendo severamente o desenvolvimento económico e o tecido social que sustenta o nosso país, limitando o potencial de Portugal para enfrentar desafios futuros.
Sofia Ramalho, psicóloga desde 1997, especialista em Psicologia da Educação e em Psicologia do Trabalho, Social e das Organizações, é vice-presidente da Ordem dos Psicólogos Portugueses. É membro do Clube dos 52, uma iniciativa no âmbito do décimo aniversário do Observador, na qual desafiamos 52 personalidades da sociedade portuguesa a refletir sobre o futuro de Portugal e o país que podemos ambicionar na próxima década.