“Nos transportes públicos, haverá regras de limitação a dois terços da sua lotação, normas muito exigentes de higienização e limpeza, e será obrigatório o uso de máscara comunitária para todos os utentes”. Assim falava o primeiro-ministro António Costa dia 30 de Abril quando anunciou que o estado de emergência iria terminar a 2 de Maio.

Acrescentou ainda que “a partir de 1 de junho será possível reduzir progressivamente o teletrabalho com recurso a horários desfasados, a semanas alternadas ou a processos em espelho, de forma a proteger as pessoas e as empresas, pela contaminação dos seus trabalhadores”.

Antes disso, a 24 de Março, o primeiro-ministro admitiu que se poderiam usar hotéis vazios para alojar pessoas em isolamento ou internadas por covid-19. Essa possibilidade, percebeu-se na altura, dirigia-se especialmente a pessoas que não tinham condições de isolamento nas suas casas sem infectar o restante agregado familiar. E chegaram até exemplos, com reportagens de casos como esta no Expresso que relata um caso em Gaia.

Era tudo isto que se esperava que estivesse a acontecer depois do desconfinamento: transportes públicos só com dois terços da capacidade, horários alternados e espaços de alojamento para pessoas infectadas sem condições de isolamento nas suas casas. Tudo medidas anunciadas com grande antecedência, todas elas racionais. Vários foram os relatos nacionais e internacionais que identificaram como mais vulneráveis, não apenas os lares, mas também os bairros mais pobres e sobrelotados.

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Percebemos pelo perfil do aumento do número de casos nas 19 freguesias de Lisboa que nada disso aconteceu: pessoas que não tinham condições de isolamento acabaram por contagiar toda a família, pessoas que testemunham transportes públicos sobrelotados quando têm de ir trabalhar.

Mas também percebemos que nada foi feito em matéria de transportes pelo anúncio agora realizado pelo Metro de Lisboa —  que vai reforçar a oferta nos fins-de-semana e o controlo de passageiros durante a semana — e pelo próprio primeiro-ministro e agora pela Área Metropolitana de Lisboa que promete aumentar a oferta de transportes em 90% a partir de 1 de Julho.

É incompreensível que se tenha esperado até agora para tomar medidas que tinham sido anunciadas há bastante mais tempo. E que algumas se tenham mantido esquecidas, como a possibilidade de ter espaços para isolar pessoas sem possibilidades de o fazer em sua casa.

Juntemos a estes compromissos não cumpridos a outros mais técnicos e percebemos, pelo menos algumas razões, para a subida de casos em Portugal, com especial relevo para Lisboa. Neste artigo da Foreign Affairs, The secret to a safe reopening”, analisam-se as regras seguidas pelos países que estão a desconfinar com  mais sucesso.

Em ternos gerais, esses países mais bem-sucedidos tinham tudo pronto para testar, rastrear e isolar os casos identificados. Abriram por fases e transmitiram mensagem claras, sem margens para equívocos. Desses três grandes pilares, Portugal, verdadeiramente, só cumpriu um e um terço de outro: abrimos a sociedade por fases e aumentamos o número de testes.

Fizemos mais testes mas não fomos capazes de rastrear quando os números subiram, como nos revela o Expresso. Nem fomos capazes de apoiar as famílias que não tinham condições de isolar um dos seus elementos infectado, ficando assim condenadas a serem também contagiadas. De quem é a responsabilidade? Do rastreio é do Governo, da falta de apoio à famílias pode ser do Governo mas é especialmente das autarquias, neste caso os presidentes de Câmara de Lisboa, Sintra, Loures, Odivelas e Amadora assim como os responsáveis pelas freguesias abrangidas.

Quanto a mensagens claras parece óbvio que as falhas começaram quando se começou a anunciar o fim do estado de emergência. Claro que o direito de reunião e de manifestação está consagrado constitucionalmente, mas é muito difícil explicar a algumas pessoas que pode haver a celebração do 1º de Maio ainda antes de terminar o estado de emergência, a manifestação anti-racista e, mais recentemente, a manifestação do partido Chega, mas não pode ser permitido que um grupo de pessoas estejam juntas na praia ou à porta de um café. E ainda menos que possam fazer uma festa.

Admitamos que se assumia esse risco de comunicação, o que envolve as manifestações e celebrações, pelo bem maior da liberdade de nos manifestarmos. Mas o problema é que isso não chegou a ser devidamente explicado e, pior ainda, esse não foi o único erro.

No início de Junho, primeiro António Costa e no dia seguinte Marcelo Rebelo de Sousa foram ao Campo Pequeno, transmitindo uma mensagem de confiança. E quer o Presidente como o primeiro-ministro foram chamando a comunicação social para os verem na praia.

Nunca saberemos se esses gestos do Presidente e do primeiro-ministro tiveram uma grande influência, como nunca saberemos qual foi o efeito das manifestações. Mas podemos estar certos que podem ter contribuído para comportamentos mais arriscados.

Responsabilizar os mais jovens pelo aumento de casos foi outro erro. Os mais jovens foram os mais cuidadosos na primeira fase, mas a ausência de alternativas para os seus tempos livres – com os festivais todos cancelados – é um problema que devia ser resolvido. E os mais jovens, alguns muito pouco politizados, são exactamente aqueles que menos percebem porque podem existir manifestações ou a festa do Campo Pequenos e não podem organizar os seus festivais.

Percebe-se o objectivo, é preciso reduzir o medo, aquele que pode ser um dos inimigos da recuperação económica, indo para além do que recomendam as normas de segurança sanitária. Mas foi enorme o risco de equívocos na mensagem, de “sujar” uma mensagem até aí bastante clara.  A subida do número de novos casos acaba por provocar um dano ainda maior do que o excesso de medo que eventualmente se quis combater com esses comportamentos que transmitiam mensagens equivocas.

Ainda vamos a tempo de corrigir e evitar que a nossa crise acabe por ser ainda mais grave por ter falhado o planeamento e organização da sociedade no pós-confinamento e por se terem transmitido mensagens equivocas. Todos sabemos que quem está a gerir esta crise enfrenta uma enorme pressão, mas por vezes vale mais parar e planear. Ou simplesmente cumprir o que se disse que se ia fazer e não fez. Morrer na praia é que não.