A onda de contestação nas ruas contra o racismo, desencadeada pelos norte-americanos após a morte de George Floyd, chegou a Portugal. Arrancou este sábado um protesto que juntou por todo o país cidadãos de todos os tons de pele que pedem uma igualdade definitiva nos direitos civis para todas as comunidades. A causa, nobre, não impediu, no entanto, que em vários locais se vissem aglomerados de pessoas, algumas de máscaras, outras não, ignorando as regras de segurança da DGS. A própria Diretora-Geral de Saúde acabaria por alertar para o sucedido.

Graça Freitas alerta para riscos das manifestações e apela ao distanciamento

Na Alameda D. Afonso Henriques, em Lisboa, os manifestantes ergueram cartazes com as últimas palavras de George Floyd, um norte-americano negro que morreu após ter sido manietado por um polícia e asfixiado até à morte: “I can’t breathe”, que em português significa “Não consigo respirar”. Também há quem leve bonés criticando Donald Trump.

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Outros participantes recordaram na Alameda um dos gestos anti-racismo que marcou os Jogos Olímpicos da Cidade do México, em 1968, e que se tornou um símbolo do Poder Negro: o punho cerrado erguido no ar, tal como Tommie Smith, atleta norte-americano, fez ao receber a medalha de ouro na corrida de 200 metros. Vão gritando: “Racista, fascista, o teu nome está na lista“. E pedem “justiça” porque sem ela “não há paz”.

Centenas em Coimbra. “Não basta não sermos racistas, temos de ser antirracistas”

Centenas de pessoas manifestaram-se em Coimbra contra o racismo, associando-se à “luta pela dignidade humana” na sequência da morte, em maio, do afro-americano George Floyd, sob custódia da polícia dos Estados Unidos. A concentração, na Praça da República, na Alta de Coimbra, fez parte das manifestações de protesto, em vários países, contra a morte de Floyd — “Black Lives Mater” — e que em Portugal também estavam previstas para a tarde de hoje em Braga, Lisboa, Porto e Viseu.

Floyd, de 46 anos, foi morto em 25 de maio, em Minneapolis, no estado norte-americano do Minnesota (Estados Unidos), depois de ter sido pressionado no pescoço pelo joelho de um polícia, durante cerca de oito minutos, numa operação de detenção, apesar de a vítima dizer que não conseguia respirar.

A morte de George Floyd é “o ponto de viragem, de rotura, de mudança” e “hoje este protesto é uma homenagem a todos as vítimas” do racismo, da opressão, sustentou Leonardo Botelho, um dos organizadores da iniciativa em Coimbra. “Neste dia dizemos basta”, mas isso “não chega e temos de o dizer todos os dias, sempre que há injustiças”, apelou ainda o estudante da Faculdade de Direito de Coimbra, durante a sua intervenção na manifestação.

“O meu nome não interessa”, afirmou ainda Leonardo, dizendo que é “o negro, o de cor, o negrinho, o preto, o escurinho, o pretinho — nunca tive coragem de o dizer, mas hoje digo-o: não gosto”. E acrescentou: “Não basta não sermos racistas, temos de ser antirracistas”.

Gritando palavras de ordem como “Black lives mater” e também em português — “As vidas negras importam” — ou “Justiça, justiça, nós queremos justiça” e “Só queria respirar, mas até para isso tenho que suplicar”, os manifestantes, a maior parte dos quais jovens, também quiseram demonstrar que “o racismo não tem fronteiras”. O racismo é “um problema de todo o mundo e não só de um país”, sublinha Madalena Bondzi, também da organização da manifestação, que, reconheceu, reuniu “muito mais pessoas” do que previa.

Mais de mil no Porto. “O que matou George Floyd foi a cor dele”

Janira, 26 anos, natural da Guiné, foi uma das “mais de mil” pessoas, segundo a organização, que hoje se uniram, no Porto, em manifestações contra a precariedade laboral e contra o racismo.

Em declarações à Lusa, a guineense, a residir em Portugal desde criança, reconheceu que nunca foi vítima de racismo, mas disse não poder ficar “indiferente” ao que se passa.

“O que aconteceu George Floyd, nos EUA, é uma coisa que pode acontecer comigo a todo o momento, porque há uma coisa que temos em comum, que é a cor da pele”, disse.

“O que matou George Floyd naquele dia não foi o facto de ele ter tentado passar uma nota falsa, o que o matou foi a cor dele. No dia 25 de maio, em que comemoramos o dia da África, nesse dia África sofreu. 2020 tem sido um ano muito pesado não só pela pandemia, mas por situações claras de racismo, temos estado a sofrer e só queremos os nossos direitos e nada mais”, acrescentou a jovem guineense.

Para a Praça da Cordoaria, frente à antiga Cadeia da Relação do Porto, foi marcada, para as 17h00, a marcha “Resgatar o Futuro, não o lucro”, para depois seguirem até à Avenida dos Aliados, juntando-se à manifestação contra o racismo e contra o fascismo, organizada por um conjunto de associações.

Joana Cabral, dirigente do SOS Racismo disse à Lusa que as manifestações de hoje, que acontecem também noutras cidades portuguesas, são para protestar contra o que se passou no EUA, mas também “contra o que se passa no Brasil, em Portugal, em Viseu, em Lisboa, na Amadora e no Porto”.

“Não podemos esquecer esta história longa que não fez como última vítima George Floyd, vai continuar a fazer muitas outras. Temos de sair da nossa zona de conforto”, disse, referindo que as duas manifestações do Porto se uniram porque “reúnem gente que vem lutar por causas que são aparentemente mais particulares, mas que, no fundo, facilmente percebemos que fazem parte da mesma luta”.

E acrescentou: “É contra o racismo, contra o capitalismo e contra a precarização do trabalho. É preciso lembrar que uma parte significativa das pessoas precárias e que asseguraram uma parte significativa do trabalho que manteve a sociedade a funcionar durante a quarentena são, em muitos casos, pessoas com pertença a grupos étnico raciais vulneráveis e, muitas vezes, pobres”.

Da organização da marcha “Resgatar o futuro”, Raquel Azevedo, dirigente dos Precários Inflexíveis, explicou à Lusa que se pretende, sobretudo, “lutar por novas escolhas, direitos mais iguais, exigir um emprego com direitos e assegurar que os mais afetados por esta crise pandémica têm a proteção social que lhes é devida”.

“Não queremos novamente ver nas nossas vidas uma segunda crise e, por isso, queremos fazer parte de uma solução que permita o combater o desemprego, a exploração e à precariedade”, acrescentou.

Cerca das 17h30, meia hora após o inicio da concentração já eram cerca de 350 manifestantes junto à Cordoaria mas muitos, a grande maioria jovens, ainda estavam a chegar. No Porto, a manifestação deveria terminar cerca das 19h30, na Avenida dos Aliados, onde, cerca das 19:00, se concentravam “mais de mil pessoas”, segundo Raquel Azevedo.

As manifestações de protesto aconteceram um pouco por todo o mundo.

Fotografias. Milhares de pessoas em protestos contra o racismo por todo o mundo