Nas últimas semanas o mundo foi tomado de assalto pelo novo Covid-19, tendo proliferado múltiplas opiniões sobre a melhor estratégia que os diversos responsáveis deverão adotar. Entre a comparação simples ao vírus da gripe e a evocação de mecanismos psicológicos que levam a limitações claras nos mecanismos de decisão, tudo, entre nós e um pouco por todo o lado, já foi sugerido e/ou tentado. No entanto muito do escrito e falado, embora globalmente justificado, tem uma limitação importante pela sua fraca ou nula fundamentação nos mecanismos de perceção, gestão e comunicação de risco.

Para que existam comportamentos que nos protejam do risco tem necessariamente de haver perceção de risco. Mecanismos psicológicos como o otimismo irrealista levam a que todos nós achemos como mais provável que as coisas más aconteçam aos outros e não a nós próprios e à nossa família. Hábitos e comportamentos automáticos e atitudes positivas em relação aos nossos familiares e amigos dificultam necessariamente a adoção de comportamentos de prevenção, na medida em que, nessas situações, é muito menos provável pensar de forma sistemática e por em prática os comportamentos adequados.

Por outro lado, o extremar da perceção de risco leva, neste caso concreto, a um sentimento de falta de controlo percebido que pode acentuar situações de stress crónico. E, no agregado familiar, as crianças podem rapidamente captar esse tipo de tensão psicológica com consequências negativas.

O que complica a questão é, não só o facto de ser difícil a procura do grau adequado de perceção de risco em geral, como as crenças e atitudes em sociedade serem adotadas em grupos sociais e ideológicos que tendem a construir e propagar teorias explicativas que se adaptem melhor às suas visões do mundo. Assim é explicável, na procura de perceção de controle (que designamos como secundário), que inevitavelmente apareçam teorias que pretendam explicar tanto o aparecimento, a natureza da infeção, as causas do contágio, como a prevenção e a cura, à luz das suas teorias do funcionamento do mundo. A criação de teorias sobre tudo o que se relaciona com o Covid-19, não só é inevitável, como é compreensível à luz dos mecanismos psicológicos da procura de controlo.

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Em suma, a resposta das comunidades e das pessoas é, desde modo, diversa, de acordo com todos os fatores que determinam a sua perceção de risco, as suas crenças e os seus mecanismos específicos de perceção de controlo e stress.

A resposta das autoridades, de uma forma geral e em todo o mundo, tem sido fundamentalmente dominada pela tentativa de impedir/evitar aquilo que se designa como pânico, havendo espetáculos absolutamente dramáticos como o de Trump ou o do Supremo Líder do Irão, que na prática desvalorizaram, e mesmo puseram em causa, as afirmações dos seus próprios especialistas ao seu lado.

Não será a hora nem o lugar para discutir o conceito de pânico mas aquilo que sabemos a partir das investigações sobre risco e crises é que, na realidade, as populações raramente entram em pânico. Vejamos o exemplo da compra em massa de máscaras e do assalto aos supermercados. Em todo o mundo existe uma autêntica busca de máscaras que leva os governos a confiscar as existentes e somos confrontados com as prateleiras vazias dos supermercados nos telejornais da noite. Pode parecer evidente considerar estes comportamentos como um efeito de um suposto pânico. Na realidade trata-se de tudo menos isso. São resultado de processos individuais de tomada de decisão em que os indivíduos, tendo uma alta perceção de risco, pensam em modos de se protegerem, antecipando a probabilidade de ficarem em isolamento. Assim são decisões de racionalidade limitada individuais que, tomadas por muitos, se tornam irracionais coletivamente e com consequências largamente negativas. Ou seja, não poderemos confundir pânico com a tentativa individual de controlar as fontes de stress.

Na estratégia das autoridades ao longo do tempo em todo o mundo temos exemplos de comunicação tardia, de não partilha de incertezas de modo claro, de subvalorização da ameaça, enquanto temos exemplos de que a ultrapassagem daquilo a que chamamos o “medo irracional do medo” demonstra ser a medida mais adequada. Básico, e por vezes esquecido, é que uma correta comunicação de risco é parte da estratégia para lidar com o problema e não algo que deva acontecer depois de estar em posse de toda a informação. Aliás as autoridades oscilam entre desvalorizar o risco e transmitir incerteza, ou apenas comunicar a incerteza. Em muito sites ligados aos diferentes governos europeus, incluindo o nosso, para a pergunta “como se transmite o vírus” existem respostas que apontam para incerteza nas vias de transmissão não dando pormenores. No mínimo lacónico, verdadeiro, mas em contradição lógica com o aconselhamento de proteção que assume um conjunto de pressupostos básicos sobre a transmissão que se conhece, mais que não seja, pelo tipo de vírus e dos seus efeitos. Isto é, se existe incerteza sobre todas as vias de transmissão já se conhece algumas delas que são comuns à transmissão desse tipo de vírus, as quais já são suficientes para indicar alguns dos comportamentos mais adequados.

O espaço vazio que é criado a partir de uma informação eivada de incerteza vai ser rapidamente ocupado pelas crenças e teorias erradas que proliferam. O protocolo da DGS com o jornal Poligrafo é muito interessante, mas é necessário que a informação que é prestada mude e sejam analisadas sistematicamente todas as ideias que por aí pululam.

Por outro lado existe um fator confiança, nas pessoas e nas instituições, que merece ser avaliado. Se a Diretora Geral de Saúde e o seu Serviço (apesar de não haver confirmação empírica) suscitam confiança, o debate tem sido à volta da capacidade do SNS poder responder à crise. Ora isso não só desloca a discussão para as atitudes sobre o SNS como desvia a questão das medidas que cada um tem que tomar para diminuir o risco, bem como a razão de ser dessas medidas.

A aplicação das melhores práticas de gestão e comunicação de risco é difícil, em grande parte dos contextos, porque aquilo que a melhor ciência determina vai contra o senso comum e também contra as teorias que parecem ser mais lógicas a todos. Dizer que o pânico não é pânico, e explicá-lo como fizemos acima, vai contra aquilo que parece ser evidente. Mesmo  enumerando dezenas de estudos empíricos cujas conclusões são contrárias ao senso comum isso não produziria efeitos, porque a força deste é tal que a maior parte dos atores continuará a “manter a sua”.

Que fazer? Muitas e variadas coisas, gerais e específicas. (A) Perceber a analisar a perceção de risco e as crenças dos portugueses, ou dos seus principais grupos e regiões, sobre o Convid-19 e o tipo de mapas mentais que sobre ele tem e sobre a confiança no(s) mensageiro(s). Não se consegue intervir e definir estratégias de comunicação de risco sem perceber, ainda que de modo geral, as ideias daqueles que queremos influenciar. (B) Criar uma “task force”, que provavelmente já foi criada, para responder clara e publicamente a todas as teorias que vão aparecendo nas redes e respondendo ao pormenor como se todas merecessem atenção. (C) Aplicar uma filosofia de comunicação que seja clara sobre aquilo que se sabe e sobre aquilo que não se sabe, comunicando claramente a incerteza, mas comunicando também claramente aquilo que todos deveriam fazer ou não fazer, tanto mais que muitos dos comportamentos adequados concorrem com comportamentos automáticos difíceis de mudar.

Muito se fala em importantíssimos Planos de Contingência mas estes fazem esquecer o mais importante, a saber, o que devemos fazer e porque o devemos fazer, utilizando bons argumentos testados e baseados na visão e perceção de risco das comunidades. Aquilo que as pessoas precisam é de receber algumas indicações claras para terem alguma perceção de controle. Na comunicação de risco em crises devemos ser os primeiros a intervir, estar certos do que se sabe e não se sabe, ser credível (honesto e verdadeiro), promover ação, e mostrar respeito pelas crenças dos outros. Na mesma linha nunca devemos emitir respostas negativas, contraditórias, ou ser irrealistas ou paternalistas.  Não deixa de ser curioso que a melhor peça de comunicação de risco sobre o Covid-19 é feita por John Oliver num dos seus Last Week Tonight (HBO) disponível na net. Foi bem aconselhado.