Como descrito aqui, a União Europeia (UE) deve ser vista como um projeto em construção, correspondendo aos anseios dos europeus que nela vivem, e procurando ser uma instituição pujante, inclusiva, e competente. Como apresentado neste espaço anteriormente, valores liberais, que são parte constituinte das democracias liberais que caracterizam (a maioria) dos Estados Membros, são soluções viáveis na procura de criar uma melhor união. Nesta última parte desta série de artigos de opinião, vamos nos debruçar sobre como assegurar e desenvolver conquistas conseguidas até agora, principalmente ao entramos num (novo) período de cinco anos de governação da UE. Tal como sugerido no artigo anterior, este também não é um texto que visa a promoção do liberalismo como uma solução partidária, mas como uma solução política que não é exclusiva de governos de ideologia liberal. Estas são ideias que servem em qualquer programa político, desde que os seus responsáveis sejam democratas e defensores de regras básicas de vida em comunidade e da relação do Estado com os cidadãos.
Fortalecer a ordem liberal internacional. Existem atualmente regimes autoritários que tentam destabilizar, ou minar, a ordem liberal internacional. Isto acontece por consideram que as democracias liberais são uma ameaça à sua influência, e em certos casos, sobrevivência. As tentativas de enfraquecimento podem tomar diferentes formas: soft power económico, hard power militar, desinformação, interferência em processos democráticos e eleitorais, apoio direito a radicais e disruptores. As democracias liberais, por exemplo da EU, mas não só, precisam de uma cooperação próxima para defender a ordem existente, evitando que esta seja alterada com uma perda de poder para os regimes autoritários, que, como sabemos, trabalham em conjunto. Como nos diz a autora Anne Applebaum, existe uma “Autocracia, Incorporada” (Autocracy, Inc, no original), com um valor comum, a antipatia por quem vive no mundo democrático, e a tentativa de correr esses sistemas políticos e os valores que os norteiam.
Defender o legado do mundo ocidental. Esta pode ser uma posição polémica, mas para o autor destas crónicas, perfeitamente natural. Não é um veículo para denegrir outras tradições. As contribuições para o progresso civilizacional, para a defesa da liberdade individual e direitos humanos, e para a criação de um estado de providência, da Europa e europeus é inegável. De facto, democracias liberais são uma criação do mundo ocidental. Não há necessidade de pudores excessivos para defender tal posição. Porém, tal não implica pensar no mundo ocidental como sendo perfeito. Os defensores do modo ocidental, baseado em governações que emanam de democracias representativas, têm de continuar o trabalho de explicar que valores como liberdade, tolerância, oportunidade e prosperidade são os melhores para uma sociedade universal.
Recriar a globalização. Justamente, o fenómeno da globalização, principalmente do comércio e da mão de obra, é repetidamente apresentado como uma das razões para muitos dos problemas que afetam as democracias liberais. Tem igualmente sido uma das razões para populismos isolacionistas e nacionalistas terem crescido no Ocidente, ao ponto de nos dar líderes como Orbán, Trump, Le Pen, Abascal, Ventura, e ter ajudado ao Brexit. Porém, é preciso relembrar que a globalização é também o motor para criação de riqueza, sustentabilidade de estados sociais, liberdade de movimento de pessoas, serviços e capitais, concorrência e empreendedorismo. Um retorno ao protecionismo e às fronteiras fechadas seria um enorme retrocesso civilizacional. Porém, a globalização, ou uma nova etapa da mesma, precisa de ter parâmetros que a inicial não teve. Isto inclui uma rejeição do capitalismo selvagem e do neoliberalismo que fez com que essa primeira experiência fosse prejudicial, tanto para quem promovia a globalização, como para quem queria fazer parte da mesma. Uma nova forma de termos o mundo ligado precisa de ser suportado em reciprocidade entre nações, governos e mercados, e que seja compatível com as necessidades das diferentes economias, com a sua força laboral e com regras de jogo claras e justas.
Promover a livre iniciativa. Apesar de parecer ser óbvio, e com que todos podemos concordar, a verdade é que a livre iniciativa continua a ser um processo excessivamente dependente de burocracia governativa e apoios estatais. Isso não proporciona a flexibilidade, e com isso a liberdade, de assumir um projeto empresarial onde haja capacidade para crescimento e sucesso. A UE floresce quando os seus cidadãos conseguem criar riqueza por si mesmos, sem estar à espera de grandes aglomerados privados, ou do Estado, a oferecer empregos. As micro, pequenas e médias empresas na EU continuaram a ser um fator crucial de crescimento, dentro de um quadro de regulação e forças de mercado. A dupla transição porque passamos agora, guiadas por medidas da Comissão Europeia e suportadas por fundos europeus, e durante a próxima década e meia, são uma boa forma de aumentar as condições para a livre iniciativa. A revolução digital e energética ajuda na criação de novos empregos e requalificação de outros. A automatização, robotização e inteligência artificial precisam de ser enquadradas neste paradigma, servindo os empreendedores na criação de serviços e na fomentação de empregos.
Defender a liberdade de expressão. Este é um direito fundamental, defendido historicamente pelo pensamento liberal, por exemplo, no seminal trabalho de John Stuart Mill, On Liberty, em 1859. Contemporaneamente, a liberdade de expressão está sob ataque por diferentes grupos sociais. Uns mais autoritários, que querem a redução dos espaços onde se pode expressar opiniões livremente e sem receio de represálias (aliás, um direito assegurado pela Declaração Universal dos Direitos Humanos, no Artigo 19.º), e outros mais insidiosos, com a imposição de correção política, onde é exigida a aceitação de nova linguagem e conceitos que acabam por suprimir o direito original. Estes dogmatismos, venham de um lado ou de outro, precisam de ser combatidos para que haja uma pluralidade de opiniões, e principalmente, tolerância pelas mesmas. Voltaire (via Evelyn Beatrice Hall) argumentava que podemos não concordar com o que nos é dito, mas devemos defender o direito que os outros têm de o dizer.
Promover a educação. Também aqui a escola tradicional do liberalismo foi um dos motores para que o direito à educação fosse garantido, na tentativa de assegurar que todos tenham as ferramentas necessárias para progredir na vida. Liberais como Francis Bacon (Século XVII), ou Adam Smith, Thomas Paine, e Mary Wollstonecraft (Século XVIII) fizeram a apologia da necessidade de a educação ser uma prioridade governativa, incluindo, sendo da responsabilidade do Estado, posição assumida até por autores que se denominam como liberais clássicos. Esta necessidade torna-se cada vez mais premente no mundo atual, sendo analógico ou digital, e sendo educação inicial ou permanente ao longo da vida. A UE, através da Comissão Europeia, tem vários programas de apoio à educação, seja a nível académico, ganho de competências, ou desenvolvimento de conhecimento. Estas iniciativas devem ser reforçadas, até mesmo com migrantes europeus e não europeus, que desejem trabalhar no mercado único, trazendo assim o benefício de contribuírem para o sistema social, com o seu empreendedorismo e contribuições.
Proteger o ambiente. Com o perigo das alterações climáticas, a emissão de gases de efeito de estufa, e diminuição da qualidade do ambiente que nos rodeia, a aposta na transição verde é fundamental. Soluções liberais tais como o incentivo à atividade privada, seja individual (instalação de painéis solares, por exemplo), de comunidades (de energia renovável, noutro exemplo), ou de grandes empresas de energias limpas, são soluções desejadas. Também aqui existem ações da EU, por exemplo através de iniciativas como o European Green Deal, ou o Green Deal Industrial Plan, ou o REPoweEU, que estão já a dar resultados, ou a apontar o caminho para cumprir com os (ambiciosos) alvos para uma sociedade e indústria descarbonizada. Tal relaciona-se diretamente com a criação de soluções de mercado, de maneira que não seja uma ação puramente estatal, mas numa perspetiva de ação transversal à sociedade.
Estão assim as pistas lançadas para um melhor funcionamento da EU, principalmente para fazer desta união de países e de pessoas um modelo forte e ambicionado para outros que queiram trilhar um caminho semelhante.