Camaradas, deixem que recue a esse já distante ano de 2019 em que ainda não tínhamos aprofundado a sociedade evoluída que hoje somos e em que eu percebi que não havia alternativa ao governo esclarecido das esquerdas.
Discutia-se então em Portugal o fecho das urgências obstétricas durante o Verão. E eu, camaradas, aqui confesso que num momento em que ainda não estava devidamente esclarecida sobre a grandiosidade do pensamento socialista, até recordava como anos antes, em 2012, a possibilidade de transferência dos serviços de partos da Maternidade Alfredo da Costa para o Hospital Dona Estefânia trouxera para a rua centenas de pessoas que davam abracinhos entre si e abracinhos à MAC, gritando “A MAC é vida! A MAC não pode ser destruída!” e como até uma juíza decidira que a MAC tinha de funcionar como maternidade sob pena de sanção.
Estava portanto eu nessa busca nem digo de um cordão humano mas tão só de um pequeno ajuntamento de profissionais de saúde, membros da família Campos-Louçã dando conta da sua angústia pelo destino das grávidas, quando uma afirmação proferida por “fonte hospitalar” me fez ver a luz, ou melhor dizendo o esplendor do socialismo: “Ainda não estamos como nos Estados Unidos em que se rejeita atender doentes se, por exemplo, não tiverem seguro de saúde. Não teremos, com certeza, grávidas a ter filhos na rua”.
Nesse momento de Junho de 2019, eu percebi duas coisas. A primeira é que eu tivera os meus filhos em pleno capitalismo, ou seja naquele tempo em que se a urgência não funcionava se acusavam os governos de Portugal. A segunda é que no socialismo não se contesta, agradece-se.
De facto, numa abordagem progressista da questão, uma mulher em trabalho de parto (pergunto ao congresso se a linguagem inclusiva de género ainda nos permite dizer “uma mulher em trabalho de parto” ou se não será isto discriminatório?) errando ao longo do IC19-2ª Circular sem saber se é atendida no Amadora-Sintra ou em Santa Maria, deve perguntar-se sobre o que de estranho está a acontecer nos hospitais públicos portugueses ou pelo contrário agradecer por não estar no Wisconsin ou no Ohio?
Depois do parto com dor e sem dor, do parto na água, do parto em pé, em casa, deitada, sentada… passámos para o “parto não se sabe onde vai acontecer mas com o pensamento nos EUA” que representou toda uma nova abordagem obstétrico-ideológica.
Perante este raciocínio esmagador só me restava concluir que não há alternativa a esta forma de mandar. Ainda hoje me interrogo porque demorei tanto a perceber a superioridade da linha justa. Porque não fui sensível ao fim das taxas moderadoras, ao perdão das multas por atrasos no pagamento das rendas aos residentes nos bairros sociais, ao abaixamento do preço dos passes e das propinas, ao anúncio de mais cobrança de IRS e de mais controlo das empresas privadas… Em cada anúncio desses eu só via compra de votos, transportes que pioravam, centros de saúde que não atendiam os utentes, universidades sem dinheiro para funcionar, bairros sociais transformados em ghettos de gente desincentivada de progredir socialmente e de cumprir com as suas obrigações… Em resumo, um país em que em nome do combate às desigualdades sociais se criava um regime de castas.
Mas perante a imagem de uma mulher em trabalho de parto que não sabe onde e quando será atendida mas que se deve congratular por não estar nos EUA eu percebi: o socialismo não é ideologia, é sim atitude perante o exercício do poder.
Camaradas, tudo é possível a um governo desde que legitime as suas escolhas segundo um pensamento de esquerda.
PS. A propósito “do Miguel” disse Marcelo Rebelo de Sousa não perceber “como se pode criminalizar a ajuda ao próximo.” Mesmo que o próximo mais directamente ajudado pelo Miguel e por essas ONG’s que ninguém sabe como são custeadas sejam os traficantes de seres humanos?