Numerosas empresas portuguesas viram-se obrigadas a suspender as suas atividades devido à pandemia. Ficou tudo suspenso? Não, o que ficou suspenso foi, basicamente, a faturação. Não podendo prestar os seus serviços ou, em alguns casos, produzir e expedir os seus produtos, estas empresas ficaram de repente sem receitas. O que é que não ficou suspenso? Muitos dos seus custos: rendas pelo aluguer de instalações, leasings de equipamentos e salários de trabalhadores, entre outros.

Uma das medidas que o nosso governo tomou para minorar o impacto desta crise nas empresas foi facilitar o regime de layoff: as empresas que optarem por este esquema passam a pagar apenas 66% do salário dos trabalhadores a quem suspendem o contrato de trabalho, sendo que que serão ressarcidas pelo Estado de 70% deste valor—havendo um teto de três remunerações mínimas mensais garantidas, RMMG na gíria. Os “custos” da crise são assim repartidos irmãmente, para já, pela empresa (cerca de 20%), pelo colaborador (33%) e pelo Estado (47%), sendo que mais tarde o Estado apresentará a conta da sua parte às empresas (IRC) e aos trabalhadores (IRS), se entretanto não conseguir convencer alemães e holandeses a pagarem.

Mas, e os outros custos? Se o Estado tem capacidade, política e jurídica, para suspender os contratos laborais, passando assim parte substancial dos custos laborais das empresas para os trabalhadores, não será que poderia fazer o mesmo em relação às rendas, suspendendo os contratos de arrendamento através de um layoff locatário? Numa solução semelhante à encontrada para com os contratos de trabalho, poderia determinar que os contratos de aluguer e de renting ficavam suspensos, pagando os locatários apenas dois terços da renda e o Estado cobrindo 70% desse valor. E porque o não faz? Será que os senhorios comerciais são uma espécie que merece proteção, ao contrário dos senhorios habitacionais? Onde o capitalismo é selvagem, alguns senhorios decidiram, por sua própria conta e iniciativa, suspender as rendas durante a crise. Mas os portugueses, alegremente a caminho para o socialismo, são poupados a esses horrores.

Como muitas empresas não se prepararam para a crise criando reservas no tempo das vacas gordas, não poucas irão ter sérios problemas de liquidez, mesmo com a redução dos custos laborais, porque a receitas e cobranças pararam, são zero. A solução governamental? Por os bancos a concederem crédito às empresas, quanto mais não seja porque “a banca deve ao país”. É possível que este crédito resolva o problema momentâneo, o de as empresas não terem disponibilidades para fazerem os pagamentos mensais de salários e rendas. No entanto, não faz nada para resolver o problema de fundo: receitas zero não cobrem nem salários, mesmo que reduzidos, nem rendas. Isto é, com esses empréstimos, o problema da liquidez pode ficar resolvido, mas o da sustentabilidade não fica, antes se irá agravando à medida que o tempo passa com custos e sem receitas. Isto acontece porque €1 de prejuízos implica diretamente, com a implacabilidade de uma equação matemática, uma diminuição de €1 no capital próprio da empresa. E o que acontece quando o capital próprio se torna negativo?

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Não se percebe, portanto, a alegria generalizada dos empresários e seus representantes, com a disponibilização destes empréstimos. Assumindo que estes empréstimos são para serem pagos um dia, isto é, são empréstimos-empréstimos e não empréstimos-doações, qual é a vantagem de estarem a ser financiados para terem prejuízos?

As empresas que, depois da economia reabrir, conseguirem ter lucros para compensarem os prejuízos deste período irão sobreviver e, com maior ou menor dificuldade, repagar os empréstimos. As que não conseguirem ter lucros, quando a torneira de liquidez agora aberta se fechar, irão falir. E as suas dívidas à banca serão poeticamente classificadas como ativos tóxicos pelos bancos e seus reguladores. E será que a banca portuguesa será então capaz de sobreviver a tanta toxidade?

O que se poderia então (ainda) fazer? Qual seria a solução possível num Estado equitativo em que a rutura social está iminente? Declarar que todos (“todos” com o significado de “all”) os contratos de empresas em lockout são suspensos durante o período da crise, estabelecendo um shabbat económico para todas as atividades consideradas não essenciais. E como sobreviveriam então os trabalhadores? Nesse Estado solidário, os trabalhadores receberiam, diretamente do Estado, os acima mencionados 47% dos seus salários (ou outra percentagem, dependendo do grau de solidariedade que que o Estado pode e quer ter). E os senhorios? Recebendo também, diretamente do estado, 47% (ou outra percentagem) das suas rendas. E onde iria o Estado arranjar esse dinheiro todo? Endividando-se. E quem pagaria depois essa dívida? O pagante de sempre: o Zé, se os Olafs e os Wopkes se recusarem.

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