Não vou referir nada que já não tenha dito enquanto membro da IL. Na IL, a lealdade foi definitivamente substituída pela obediência. Reitero o que já disse. Reconhecimento não devia implicar cegueira. Nem tampouco obediência cega. A lealdade é uma via de dois sentidos. E a lealdade institucional tem limites. Obviamente, tudo isto está dependente da consciência de cada um.

No entanto, a lealdade tem de estar fundamentada em confiança mútua. Logo, não é possível pedir apenas lealdade. É imperativo retribuí-la. Caso contrário, passamos a falar de obediência.

Então, a quem é devida a lealdade num partido? Na minha opinião, não é possível responder sem ter em conta o que é perene e o que é transitório. A perenidade está relacionada com as ideias, com os valores e com os princípios. Por sua vez, a transitoriedade está ligada àqueles que ocupam cargos no partido. Assim, penso que a primeira lealdade é com as ideias, valores e princípios que o partido representa. De seguida vem a lealdade aos verdadeiros detentores da soberania partidária, os membros, pelo respeito às decisões que tomam em reuniões magnas. Finalmente, como é óbvio, também deve haver lealdade para com o Presidente do partido. Contudo, saliento que qualquer lealdade que seja devida ao Presidente deve acontecer pela sua consistência na representação das ideias, valores e princípios do partido.

Isto leva-nos a uma questão paralela. O modelo de gestão dos partidos. Um partido não pode ser gerido como uma empresa (excepto na parte económica e financeira). A natureza de um partido é distinta da duma empresa. Estas não são entidades democráticas. Têm dono(s) e o Presidente não é o dono do partido. Antes pelo contrário. O Presidente é o primeiro servidor de um partido. Obviamente, há nuances a ter em conta. Mas a ideia é clara. Ordens e obediência são a antítese da responsabilização e lealdade.

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Ora, é perfeitamente natural que os partidos se ajustem mediante os seus líderes. Nada contra isso. Mas há limites para esses ajustamentos. Que limites são esses? Os que derivam da definição e do enquadramento ideológico e político.

É estranho ver um ex-presidente de um partido liberal citar Lenine? À partida, devia ser. Mas, tratando-se de Cotrim de Figueiredo, não há razões para estranhezas. Afinal, foi ele quem defendeu uma depravação das ideias e dos princípios liberais – substituindo o mérito, competência e experiência por quotas, imagem e juventude – como critérios para as listas nas legislativas de 2022. Haverá alguma coisa mais liberal do que quotas, imagem e juventude?

Qualquer pessoa que diga ser liberal deveria saber que a razão está na base do pensamento e acção liberal. Não foi pela imposição, mas antes pela discussão e troca de argumentos que as ideias liberais surgiram e se afirmaram pelo tempo. Por outras palavras, o racionalismo é a base do liberalismo. E não é por acaso que os liberais são os herdeiros dos iluministas. Estes acreditavam no conhecimento como forma de libertar a sociedade das amarras do pensamento religioso. Ou seja, Razão contra Imposição. Os liberais fizeram o mesmo no âmbito político.

Claro que nem todos os pensadores viam as coisas da mesma maneira. Basta referir, entre outros, Baruch Spinoza (1632-1677), Locke (1632-1704), Montesquieu (1689-1755), Voltaire (1694-1778), David Hume (1711-1776), Adam Smith (1723-1790), Jean d’Alembert (1717-1783), Immanuel Kant (1724-1804), Edmund Burke (1729-1797) e, mais recentemente, Ludwig von Mises (1891-1973), Friedrich von Hayek (1899-1992), Thomas Sowell (1930-). Contudo, apesar de terem ideias distintas, todos contribuíram para a afirmação dos direitos individuais e para o fim do absolutismo. Como? Pela discussão, pela racionalização (também pela hiper-racionalização), pela razão. E é também por causa da capacidade de racionalizar que os pensadores liberais são reconhecidos.

Diz-se, e bem, que os liberais desconfiam do Estado. E os representantes da IL expressam frequentemente essa posição para fora do partido. Curiosamente, dentro da IL, há zero tolerância a “desconfianças” dos seus membros. Na IL, questionar ou querer discutir assuntos, pedir explicações e transparência é um crime de lesa-pátria. São vistas como antagonismo e traição pela Comissão Executiva.

O maniqueísmo ou o pensamento binário é algo característico de um partido liberal? Unanimismos e ataques de carácter, que extravasam o âmbito político procurando atingir  âmbito familiar, são naturais em partidos liberais?

Autonomia dos órgãos e oposição interna nos partidos, tal como no país, é um requisito fundamental. Significa pluralismo e riqueza democrática. Só os partidos estatistas não as toleram. E ser oposição não é ser desleal. A não concordância com o líder não significa deslealdade aos valores e princípios do partido.

A IL que existiu até à demissão de Carlos Guimarães Pinto da presidência do partido já não existe. Não tenho qualquer dúvida disso. É pena!