É possível viver melhor em Lisboa: encontrar uma casa mais barata, talvez maior, num bairro espaçoso, com jardins, parques, zonas verdes com alguma complexidade; e gastar menos tempo no trajecto diário entre casa e trabalho. Mas para que isso aconteça, é indispensável que a ideia de cidade se alargue a todo o território da Área Metropolitana, e não se limite aos contornos do concelho. Até porque, em termos práticos, ela já não se limita. Relembro que Lisboa tem cerca de 550 mil habitantes, e a Área Metropolitana tem quase três milhões; mas de dois em cada três postos de trabalho dentro do concelho são ocupados por pessoas que vivem fora, num dos outros concelhos da Área Metropolitana. A vida de muitos milhares de pessoas (calcula-se que perto de meio milhão) gasta-se no calvário imprevisível, incómodo, longo e demorado, que as obriga a sair do concelho onde vivem, todas as manhãs, para vir trabalhar; e sair do concelho onde trabalham, todos os finais da tarde, para ir dormir.

Há aqui, neste conjunto da Área Metropolitana, um território altamente ligado por interdependências. Nem toda a gente consegue viver dentro do concelho, e nesse capítulo não há nada a fazer; Lisboa tem 100 quilómetros quadrados. Por outro lado, os empregadores em Lisboa não conseguem encontrar aqui pessoas para trabalhar; precisam de mais gente, vão buscar as que vivem fora. Esta centralidade excessiva provoca uma enorme pressão sobre a cidade de Lisboa e um mau viver para todos, dentro e fora do concelho. Uma constatação simples que convinha ser metida de uma vez nas cabeças exaltadas dos nossos governantes. Ninguém consegue – nem os voadores de vacas com que o PS governa o país – reduzir a distância em quilómetros desde as casas onde as pessoas moram até aos empregos onde elas trabalham, sobretudo se trabalharem no centro de Lisboa. Mas é possível reduzir a distância em tempo. Como?

Em primeiro lugar, agindo sobre a circulação entre os 18 concelhos. A Área Metropolitana de Lisboa é um corpo desengonçado, com os órgãos instáveis e dispersos, cada órgão alimentando-se irregularmente por troços de estrada remendada, ora estreita, ora desmedida, como os bairros clandestinos se alimentam de baixadas eléctricas roubadas aos postes da rede pública. Precisa que os governos centrais e municipais se organizem para construir e desenvolver um sistema arterial robusto, hierarquizado e coerente, a ligar o território: estradas, avenidas, e ruas bem dimensionadas para o caudal de circulação, com uma largura confortável de passeios, árvores de alinhamento, e até as abençoadas ciclovias – assim exista espaço, como efectivamente existe nas urbanizações novas, mal saímos do centro de Lisboa. Não se faz de um dia para o outro. Mas se os nossos governantes abandonarem a obsessão medíocre – e a cretinice “liberal” – de promover atritos identitários e meter decretos-lei em todos os cantinhos da nossa vida, talvez lhes sobre tempo e verba para se ocuparem do que só os governos podem fazer, ou seja, infra-estruturas. De resto, basta olhar para o centro de Lisboa e ver o que é um sistema arterial decadente, abusado para além do limite, sobrecarregado com excesso de densidade; nem ruas nem avenidas têm já largura para a mobilidade necessária, principalmente aos dias de semana.

Em segundo lugar, agindo sobre o sistema de transportes. Falo, como é óbvio, do Metro, por ser o único transporte simultaneamente rápido, confortável, imune às oscilações do trânsito de automóveis, e a preços que a classe média consegue sustentar. Não há outro. E tem de ser o Metro enterrado, em linhas e estações subterrâneas; as passagens em viaduto são presenças de uma insuportável tirania física e visual; e o Metro de superfície comporta-se como um comboio, dividindo a cidade entre um lado e o outro da linha.

Finalmente, e em terceiro lugar, canalizando emprego para os outros concelhos. Só uma densa estupidez leva os governantes de Lisboa a olhar para os outros municípios da Área Metropolitana como adversários, competindo com Loures, Odivelas, Alcochete, ou Setúbal; em vez de unir esforços e articular políticas, entre os 18 municípios e o governo da República, para competir com Málaga, Saragoça, Valência ou Madrid. É seduzir os investidores dos grandes projectos económicos com um mercado de 550 mil pessoas, em vez de três milhões. É o produto de décadas de Partido Socialista no governo da República, mais 14 anos seguidos no governo da cidade de Lisboa. Nada impede que se faça uma espécie de plano director supra-municipal para toda a Área Metropolitana, prevendo para fora de Lisboa polos empresariais modernos como se construíram em Oeiras. E também nada, a não ser a timidez arrivista dos senhores ministros, impede que se desloquem serviços dos ministérios e organismos do Estado central para o Barreiro, Mafra, ou Palmela.

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