O Portugal dos egos exacerbados, do poder, dos lobbies, dos boys “yes man”, que precisam de mais e mais, leva-os a ser ingénuos e a acreditar que, um dia, a sua incompetência e a sua ganância serão garantidas noutro cargo.

Para irmos diretos ao assunto:

Uma diretiva vinda da União Europeia (e muito bem), transformada incompetente e ardilosamente, em Portugal, no Decreto-Lei n.º 108/2018, dirigido ao uso da radiação utilizada em saúde e à proteção radiológica, e que também se dirige a todos os profissionais de saúde que utilizam Rx para diagnóstico, entre os quais estão médicos (estomatologistas, maxilofaciais), médicos dentistas, odontologistas e médicos veterinários, que usam pequenos aparelhos de Rx, veio abalar a paz social que estes setores merecem.

Esclareça-se que nas últimas décadas os aparelhos de Rx utilizados têm vindo a sofrer alterações de tal forma que hoje emitem muito pouca radiação e que, se bem utilizados, constituem um risco absolutamente desprezível para quem se submete a esses exames e para os respetivos operadores.

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Só para dar um exemplo: aqueles pequenos radiogramas que são feitos nos consultórios de saúde oral e que podem mostrar o estado de 6 a 8 dentes em cada imagem, ministram ao visado uma dose de radiação de apenas 9 μSv (micro sievert). Está cientificamente provado que essas pequenas doses não prejudicam as pessoas nem danificam o ambiente.

Só para dar uma ideia da “perigosidade”, a chamada radiação natural de fundo a que todo o ser humano está ambientalmente sujeito, só por estar vivo, radiação natural essa proveniente do solo, da água e dos materiais de construção, é de cerca de 2.400 μSv/ano. Por outro lado uma simples viagem de avião de 10 horas a atravessar o Atlântico, resulta numa radiação de 50 a 100 µSv…

Ou seja, quem fosse submetido a 100 desses pequenos Rx por ano, o que é absolutamente inimaginável, acumularía uma dose de radiação de apenas 900 μSv num ano.

Aliás a Comissão Internacional de Proteção Radiológica definiu 1000 μSv/ano como o nível  básico de segurança para a proteção da saúde do público em geral, contra os perigos emergentes de radiação ionizante adicional. Estamos pois conversados sobre a “perigosidade” deste meio de diagnóstico!

No entanto temos que dar muita razão às autoridades, explicando que há outros meios de diagnóstico que também emitem radiação ionizante, por exemplo as tomografias computorizadas (conhecidas vulgarmente por TAC) e que ministram uma dose de radiação mais elevada que pode ir de 2000 a 8000 μSv (apenas para dar os exemplos de uma TC da cabeça e de uma TC do abdómen), e que por isso mesmo não podem ser banalizadas e “exigidas” aos médicos prescritores como se de copos de água se tratassem…

Assim sendo, e no que à saúde oral diz respeito, sempre estivemos aqui a falar de um não problema, que no entanto deve ser bem regulamentado como outros países da União Europeia e da restante Europa civilizada fizeram.

De facto, todas as diretivas são adaptadas pelos governos de acordo com a situação real dos seus países, e assim foi em todos os estados membros, menos no nosso. Foi realizada às “três pancadas” e entregue a entidades que nunca trabalharam com a saúde, neste caso, a Agência Portuguesa do Ambiente (APA) como entidade reguladora e a entidade inspetiva, Inspeção-Geral da Agricultura, do Mar, do Ambiente e do Ordenamento do Território (IGAMAOT) que é um serviço central da administração direta do Estado, dotado de autonomia administrativa, e que depende diretamente do Ministro da Economia e do Mar, do Ministro do Ambiente e da Ação Climática, da Ministra da Coesão Territorial e da Ministra da Agricultura e da Alimentação. A quantidade de ministérios aqui envolvida até faz “eriçar os pelos” e faz prever que só pode “andar sem rei nem roque…”. E nem sequer tem qualquer representação do Ministério da Saúde…

Esta diretiva não tendo sido bem transcrita e adequada à nossa situação, tem-se mostrado o fim para muitos destes profissionais com clínicas montadas há muitos anos. Como sempre, é altamente burocrática e até legalmente dependente de profissionais que não existem em número suficiente (por exemplo é necessário um engenheiro físico médico para legalizar cada uma das 6000 clinicas de saúde oral e existem apenas 16 engenheiros disponíveis no mercado). Mas o “Inspector MAX”, sem pruridos, faz as suas vistorias e impõe coimas ambientais muito avultadas (que podem ir de 24000 euros a cinco milhões de euros) e que neste momento estão a ser contestadas em tribunal.

Ainda por cima, esta lei “apanha” o setor da Saúde Oral e especialmente a Medicina Dentária, num momento muito difícil e em que os mais de 13533 médicos dentistas (OMD 2020), enfrentam o desemprego, o subemprego, a péssima remuneração e a emigração como única resposta possível. Isto num país com os índices de saúde oral que se conhecem… fruto de um péssimo planeamento das necessidades do país, “deixando funcionar o mercado”, engordando os “lobbies”, e formando uma pletora de profissionais que em 2021, e segundo os números da OMS já eram suficientes para tratar 18 milhões de portugueses… um autêntico logro, que defraudou as expectativas de jovens profissionais e das suas famílias. De facto as pessoas não têm a noção disso, mas em Portugal quase 21% dos profissionais médicos dentistas ou desistiu da profissão, ou emigrou! É um em cada cinco!

Neste caso, a Ordem dos Médicos Dentistas, chamou para defender a classe uma empresa de advogados externa,  a Abreu Advogados, e que com certeza se fez pagar bem por escrever algumas cartas ao Governo, o que até ao momento, infelizmente, ainda não deu os resultados esperados. Ou seja, a lei ainda não foi alterada, as clínicas, perante a ameaça das inspeções e das multas, já começaram a encerrar e o clima de medo e insegurança profissional está cada vez mais irrespirável.

Acontece que, cereja em cima do bolo, há poucos dias nos deparamos com uma noticia muito insólita, mas que explica tudo…

No Expresso de 12 de julho de 2022, anuncia-se que a partir de setembro, o ex-ministro do Ambiente, Eng.º João Pedro Matos Fernandes, será consultor do Instituto do Conhecimento, da Abreu Advogados, acumulando com as funções de deputado…

Ora a Agência Portuguesa do Ambiente e o super inspetor “Max” conhecido por IGAMAOT, foram e são dirigidas pelo Ministério do Ambiente. Ficámos então a perceber o porquê, apesar de todas as denúncias já feitas, desta questão da Lei de proteção radiológica estar a ser tão mal gerida, tão negligenciada, e estar a levar à ruptura de muitos consultórios e clínicas que, com sacrifício, se têm mantido.

Tudo isto causa sofrimento às empresas, às famílias que delas dependem e põe em causa a saúde oral e a saúde publica dos portugueses.

O Sr. Ex-ministro do Ambiente e Ação Climática, Eng.º Matos Fernandes, ao aceitar colaborar (entenda-se, auferir com certeza avultados rendimentos…) com uma firma de advogados que representa interesses relacionados com a Saúde Oral, que titulou quando esteve no Governo, está a incorrer num óbvio e clamoroso conflito de interesses, está a trair a confiança de quem o elegeu para deputado e de quem em si confiou em tempos para um cargo tão importante como o de ministro do Governo da República Portuguesa.

Não se trata aqui da mulher de César… que como todos sabemos, além de ser honesta, tem de parecer que é honesta! Aqui é o próprio César (entenda-se o Sr. Deputado e Ex-Ministro) que não parece ser honesto. E em política, Sr. Eng.º Matos Fernandes, aquilo que não parece, não é!

J. Serafim Freitas

Estomatologista, presidente do Colégio da especialidade de Estomatologia da Ordem dos Médicos

Ana Sofia Lopes

Médica dentista, coordenadora da acão social para uma saúde oral igualitária

Dariacordar / Zero Desperdício