Sobre os camelos e a sua origem, Ken Thompson, no seu livro “Where do camels belong?”, cuja leitura vivamente recomendo, evidencia as partidas que a natureza nos prepara, ao notar a aparente contradição que existe entre o facto de todos associarmos os camelos aos continentes africano e asiático, mas a espécie ter tido origem da América do Norte. E, imagine-se, a Austrália é hoje o único território em que existem dromedários no estado selvagem. O livro referido prossegue, para lá dos camelos, focando-se nas espécies exóticas que, tendo migrado por influências diversas, contribuíram para a construção da biodiversidade tal como a conhecemos.
Vem esta referência a propósito da abordagem politicamente correta que domina, de forma sufocante, a discussão atual que incide sobre a floresta em Portugal. Segundo esta narrativa, as espécies florestais autóctones são remédio para todos os males de que a floresta padece: se as preferirmos teremos a floresta de sonho que merecemos. Tanto para os fazedores da política florestal como para a generalidade dos seus arautos, desde que “espécie autóctone” seja o nome do meio da solução proposta, essa solução é boa. E quem disser o contrário é, no mínimo, exótico.
Mais adiante voltarei à Floresta, mas de momento continuo preocupado com os camelos. Será que devemos lutar pela proibição dos camelos domesticados que existem em África ou na Ásia, defendendo a utilização alternativa dos búfalos (alguns deles asiáticos de gema) ou das zebras (todas africanas, com exceção das nascidas nos zoológicos) com o argumento de que uns são autóctones e os outros não? Deveremos pôr fim àqueles que, em liberdade e estado selvagem, se reproduzem na Austrália? Definitivamente estou preocupado com os camelos.
A minha angústia aumenta quando me apercebo das espécies que fazem companhia aos camelos, neste mundo de bons e maus. Penso no arroz, essa espécie exótica de origem asiática, domesticada há mais de 10 mil anos, e que infesta os vales dos autóctones rios Mondego, Tejo (este nasce em Espanha mas, sendo Ibérico, tem passaporte autóctone), Sorraia e Sado. Porque vai bem com arroz, preocupo-me também com o tomate, qual primo sul-americano originário da região norte do Chile e da Colômbia. E por aí fora. A lista das espécies não alinhadas com o discurso autóctone não tem fim, nem no mundo vegetal nem no mundo animal. Um dos mais interessantes exemplos de animais não autóctones que ocuparam o nosso território, este nosso Portugal, é um tal de Homo sapiens, surgido há mais de 300 mil anos … em África. Migrando para fora do seu continente de origem, substituiu uma série de espécies autóctones de outras geografias, também do género Homo.
E assim voltamos à Floresta e à espécie que, está-se mesmo a ver, me moveu neste escrito. De onde vieram os eucaliptos, esses exóticos e bem-adaptados espécimenes florestais que temos em Portugal? Em concreto o Eucalyptus globulus, o príncipe dos eucaliptos, sabemos que é autóctone da Tasmânia e sueste da Austrália, e que foi introduzido em Portugal há cerca de 200 anos. Sendo uma espécie exótica bem-adaptada às condições do nosso país (para nossa sorte e azar de muitos, entre os quais os alemães), ela naturalizou-se, qual camelo no deserto do Sahara. Tal como esses camelos, os eucaliptos têm uma enorme utilidade para Portugal e para a nossa economia, sendo uma matéria-prima por excelência para a indústria da pasta e do papel, peça essencial para o sucesso do processo de descarbonização da economia. Claro que, como os camelos, para serem úteis os eucaliptos têm que ser adequadamente geridos e cuidados. Se o não forem, asselvajam-se como os dromedários na Austrália. Cuidemos, pois, dos nossos camelos.
Concluo, na associação improvável entre camelos e floresta. Cada país tem os seus camelos, de onde quer que tenham vindo. Para nossa sorte, entre outros, calhou-nos o eucalipto. Não é bom por ser exótico. Mas ser exótico em nada diminui as suas qualidades nem o enorme partido que dele podemos tirar. Assim os mereçamos e que nunca tenhamos que colocar a pergunta: para onde foram os camelos?