Gosto dos debates eleitorais nas televisões. Gosto mesmo dos debates eleitorais nas televisões.

Gosto, primeiro, porque nos chegam sem filtros, e, por isso, são informação em estado bruto. Cada participante diz o que quer – sem que aquilo que disse seja truncado, ou treslido com alguma adenda escrita ou em voz off.

Foi assim, por exemplo, que, em dois debates, soube mais sobre o programa de governo da AD do que em semanas em que a comunicação social se esforçou por omitir informação sobre ele, ou sobrepor-lhe notícias menores (a casa de Espinho, a presença ou ausência de Passos Coelho, a presença ou ausência de outra figura da AD).

Foi assim, por exemplo, que vi expostos a clara luz o programa e as intenções do Bloco de Esquerda. Não as vozes maviosas, nem as expressões condoídas, mas o verdadeiro programa e as reais intenções.

Foi assim, por exemplo, que compreendi que Pedro Nuno Santos não tem uma ideia. Aliás, tem uma. O papagaio de Samuelson, que tinha dois neurónios, tinha dois motes: oferta e procura. Pedro Nuno Santos que só tem um (mote, quero eu dizer) só sabe dizer Estado-Estado-Estado.

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Gosto, em segundo lugar, por serem esclarecedores, não apenas no que é dito, mas na linguagem corporal, na linguagem facial.

Foi assim, por exemplo, num notável momento de televisão – desses em que a imagem vale mil palavras – que vi Mariana Mortágua, descomposta pela argumentação de Montenegro, encerrar uma fraca réplica com um sorriso que era um arreganho raivoso. Como nas Novas Andanças do Demónio, «saía-lhe fumo pelos intervalos do riso».

É assim que – lamentando o que vejo – vejo, por exemplo, como o olhar de Rui Rocha não pára de deambular por pessoas e cenários, num sintoma de insegurança que deveria corrigir depressa.

Foi assim, por exemplo, que vi as inegáveis qualidades de tribuno e polemista de André Ventura, a exuberância e o tom categórico que tanto atrapalham os adversários, virarem-se contra ele, e deixarem à mostra contradições e impossibilidades.

Gosto, em terceiro lugar, porque os participantes estão sozinhos na função, não podem contar com a ajuda de plateias fiéis, profissionais de relações públicas, ou jornalistas simpatizantes (sobre a ajuda de comentadores, lá iremos). Nos debates, eles estão sozinhos.

Vejo, por exemplo, como as aparições de Pedro Nuno Santos – não apenas nos debates, mas sobretudo nos debates – relembram dolorosamente um historial de governação lamentável, e põem em cruel evidência a impreparação pessoal e política. Terão notado como – não apenas por causa dos debates, mas sobretudo por causa dos debates – as classificações enlevadas de «enérgico» e «carismático» com que era habitual virem adornadas as notícias sobre PNS, pois bem, terão visto como esses adjetivos fugiram espavoridos de cena.

Depois, há os comentadores televisivos dos debates eleitorais.

Não gosto nada dos comentadores televisivos dos debates eleitorais – os quais, aliás, passei a abster-me de ver.

Não gosto, em primeiro lugar, do esforço vão de originalidade que os leva a «achar» coisas extraordinárias. Uma das coisas extraordinárias que os comentadores «acham» é que os participantes nos debates (citação literal:) «falam para os convertidos». Estes comentadores «acham», portanto, que os participantes nos debates deviam, mais do que expor as suas ideias e programas, dissertar sobre, sei lá, as promessas da nanotecnologia, a situação política no Iémen, as nuvens cúmulo-nimbo na aviação civil, os segredos da jardinagem.

Não gosto, em segundo lugar, mas acima de tudo, do enviesamento ou da cegueira. Não me incomoda que na sua confrangedora fidelidade Neves ou Pratas incensem PNS. Mas aflige-me que perante as mentiras descaradas de Mortágua (e deve-se sublinhar que «mentira», neste caso, não é ausência de verdade, mas o exato oposto dela), perante aldrabices gritantes como a da avózinha sem abrigo, a generalidade dos comentadores a imagine triunfante.

Por fim, e tal como os comentadores, também eu vou «achar» coisas. Eu acho que os comentadores dos debates televisivos estão a fazer nascer um sentimento geral de que a sua intervenção é, não apenas inútil, mas sobretudo prejudicial. Eu acho que isso é péssimo para eles. Eu acho que este é mais um caso clássico do arroseur arrosé. Mas eu acho que eles lá sabem…