Abordar a tónica do discurso político enquanto membros da sociedade civil, exige resistir à tentação de engrossar críticas comuns facilmente inspiradas no rol de intrigas e escândalos recentes. Ficamos pelo sentido incerto, mas conveniente à Palavra discursiva, que se vê descredibilizada pela corrupção e outros vícios do poder.
A retórica coloquial na época de eleições reduz a pouco a compreensão pública, vista como incapaz de interpretar para lá dos termos simplórios, considerando-se essencial um clima “à vontade”, como se estivéssemos todos à mesa de café a ouvir comentários banais.
A estratégia de democratização da Palavra na senda da aproximação ao eleitorado, tem sido mais eficaz na acessibilidade à mentira política. Favorecidos por este efeito adverso, os cidadãos têm aumentado a desconfiança em declarações frequentemente reduzidas à leitura de enunciado em bicos de pés e dedo em riste. As circunstâncias levam a que se desconsidere a oratória, pois atenta contra si nos exageros, trocadilhos e contradições num xadrez semântico de encaminhamento do voto.
Assim decorre o debate político, em moldes clubísticos, onde mais importa derrubar o adversário do que análise democrática dos problemas concretos dos cidadãos em comprometimento cívico com as soluções. A disputa centra-se na manipulação afectiva e troca de acusações sobre a degradação dos serviços públicos e o empobrecimento geral da população lado a lado com a corrupção, enriquecimento ilícito, entre outros irritantes sociais, factores na origem de fobia política e abstenção eleitoral.
A mudança ocorre quando a decadência política atinge patamares ofensivos e a falta de verdade ameaça valores de cidadania que definem a visão do mundo. No livro “Ordem política e Decadência política” (2015), Francis Fukuyama, politólogo, ensaísta contemporâneo, explica como a história das mudanças políticas são resultado do confronto das forças de ordem e de decadência, e mostra factores que ameaçam hoje a democracia em crise de dentro para fora.
De facto, se no passado os cidadãos confiantes na Palavra delegavam o governo dos seus interesses aos actores políticos, hoje estão duvidosos dos contornos da democracia e, chegados à revolta com o estado da nação, especialmente com condições calamitosas no SNS e Habitação, arriscam agora “actividade de pensar”, recurso sempre perigoso e niilista, quando está em causa a sustentabilidade de pilares da sobrevivência que impõem novo ordenamento social.
Voltamos ao sentido do discurso político tomado de ligeireza, activo de poder, expressão do pensamento moderno que relativiza a ideologia e vê o homem como individuo essencialmente racional, maximizador de lucros (Fukuyama, “O Fim da História”, 1989). Parece que pouco importa a ideologia na Pós-modernidade, entendida o conjunto dos princípios que regem uma sociedade, visto que todos os interesses da vida económica e política espelham a busca de incentivos materiais.
A fragmentação social que vemos decorre certamente da desigualdade material com sentimento de injustiça, mas também da desvalorização de dimensões culturais pela opinião pública, que sentimos mal-formada. Neste contexto os resultados eleitorais podem configurar fracasso de uma sociedade depauperada há décadas no seu Sistema Educativo, incapaz de formar cidadãos pró-activos na construção de alternativa democrática.
Ora quando se trata de qualificar a opinião pública, consideramos essencial começar pela coerência da Palavra política. É necessário que a elite transponha frases feitas e se submeta a formação contínua, volte aos compêndios teóricos, pois, o cidadão carente de argumentação séria bem sabe que o Discurso é entoação do jogo de palavras escolhidas no Backoffice.
Com o “fim” das tradicionais ideologias onde nem socialistas convictos sabem o que é o socialismo, chegamos à era do Networking e da persuasão. Assim seja então trabalhado o carisma dos líderes políticos sobre a correcção, descolando-os da imagem de Réu ou de alguém propenso ao crime para benefício próprio.
É necessário recuperar o sentido perdido da Palavra com a verdade demostrada pela acção, e recuar passos ao espírito da Pólis na Grécia antiga, ideia de cidadania activa. Não defendemos por regra um meio gerador de consensos em torno da concepção partilhada de um suposto bem, sempre duvidoso, mas acreditamos na acção concertada entre liberdade e distinção dos cidadãos na esfera pública, génese da democracia, que nunca poderá ser a casa de todos os Césares.