Ninguém está satisfeito. Somos perseguidos pela sensação de que alguma coisa subtrai sempre a felicidade e por um desejo insaciável de supérfluo que disfarce a sombra teimosa atrás de nós. Só a percepção crítica do nosso Eu pode impedir a queda no lodo da insatisfação por onde é fácil escorregar até ao distúrbio.

Está por fazer um trabalho urgente de educação e acompanhamento psíquico ao longo da vida centrado em prevenir perturbações mentais que vemos com tendência crescente na população portuguesa, em particular a depressão e o consumo de substâncias, associados a 90% dos suicídios, segundo a Sociedade Portuguesa de Psiquiatria e Saúde Mental.

O sentimento de solidão instala-se quando cansado, até de si próprio, o sujeito se sente equivalente ao somatório das suas desilusões visto como medida do valor individual. Em desespero por sobreviver desempenha papéis correspondentes às expectativas dos outros numa sociedade zombie onde as pessoas não sabem quem são, e pior ainda, receiam saber.

Em resposta ao sustento cumpre-se um existir mecânico de realizações mais ou menos triviais que se querem bem pagas para esperada vida boa. Será tanto melhor quanto mais prazer proporcionar – molde da felicidade – uma espécie de monstro que quer passar do tamanho SX para XXL… agigantar-se, até rebentar de contentamento.

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Onde estará a satisfação humana? Estará no poder de compra, no corpo perfeito, no aumento de seguidores das redes sociais ou na promoção e sucesso profissional? Em qualquer dos casos dificilmente encontramos móbil que não passe pela aquisição de símbolos de alegria, a felicidade das coisas e dos conseguimentos, enfim, a discutível boa imagem social sólida no materialismo capitalista que obriga à conjugação do verbo “Ter” em todos tempos. Mas dinheiro é sinonimo óbvio do conforto que queremos, não de felicidade, como bem sabem muitos a quem ele não falta.

Melhor que dinheiro só o Poder supera todas as ambições como requisito de satisfação. O Poder enquanto plenitude é fascinante, talvez a sensação de surfar os píncaros do Canhão da Nazaré. Nada mais sedutor que ser um pequeno deus e dispor a bel-prazer do destino, especialmente do destino de outros para impor, até com altruísmo, um suposto bem comum essencial em primeira mão ao benfeitor.

Consequentemente e com pouco ou nenhum questionamento, os autoritarismos do poder medem forças com o “estatuto da vítima” demasiado protector da apatia mental. Subjaz o medo de um inimigo temido em cada esquina, paranoia que nos mantém presos à dinâmica de fuga ao predador. As feras deixaram de ter quatro patas, mas, igualmente implacáveis, obrigam a um estado de alerta patológico. Medo, dos ditadores, dos fundamentalistas, da seca, das inundações, das doenças e dos vírus. Constrangidos pela lei da selva que não poupa vulneráveis mata-nos o medo de morrer.

Nunca houve tanta tristeza, insatisfação, anestesiada ou sedada não só por fármacos e outras drogas, mas também por estímulos consumistas, uma espécie de estado narcótico que faz rir a vontade de chorar. Ser feliz é mais fácil ao homem anónimo que pode dar-se ao luxo de falhar, ser medíocre, ter quilos a mais e borbulhas no rosto. A essência humana é precária, comum e indiferente à posse ou fama para desgosto de muitos. Pedantismos à parte, é hora de chorar as nossas lágrimas e ensinar os filhos a chorar as suas. Não há equilíbrio sem contacto com a frustração, sem se aprender a ser comum antes de sobressair, se sobressair. Quanto mais cedo forem adquiridas aptidões de negociação consigo e com o mundo, maior o respeito pelos outros e maior a satisfação de viver tão somente porque é bom viver.

A espontaneidade, indicador de saúde mental, está refém do politicamente correcto e as pessoas são cada vez mais cópias umas das outras à procura de identidade à la carte, num excessivo construtivismo que descarta a memória. São necessárias melhores interpretações para lá da superfície que faz sentir qualquer insignificância essencial à felicidade. Ora, sejamos feios e deselegantes à vontade, a elegância não pode reduzir-se à ditadura dos músculos ou à selfie Colgate, muito menos é sinónimo de nutrir-se com granola e sumos detox.

E a insatisfação esconde-se atrás do sorriso… no lugar de um par de lágrimas. Recalcamentos da comunidade smile que só abre portas a gente “morta”, afável, de moral duvidosa, mas com claro sentido de vida – estampar no rosto um inútil emoji sorridente.

Mental é uma secção do Observador dedicada exclusivamente a temas relacionados com a Saúde Mental. Resulta de uma parceria com a Fundação Luso-Americana para o Desenvolvimento (FLAD) e com o Hospital da Luz e tem a colaboração do Colégio de Psiquiatria da Ordem dos Médicos e da Ordem dos Psicólogos Portugueses. É um conteúdo editorial completamente independente.

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