Após a 2ª Guerra Mundial a social-democracia, designadamente na Europa, proporcionou um enorme bem-estar social, e, segundo o Relatório da Felicidade publicado pelas Nações Unidas, é nas nações social-democratas, especialmente no norte da Europa, que se encontram as populações mais felizes, que vivem em liberdade e prosperidade.

Mas, recentemente, a pandemia de Covid-19 veio alertar para diversas lacunas da indústria europeia e, posteriormente, a invasão militar da Ucrânia revelou outras fragilidades da União Europeia (UE), com destaque para a ausência de soberania energética e debilidade da defesa militar (desde o fim do último conflito mundial a Europa descansou sob o chapéu protetor norte-americano).

Também no que respeita à tecnologia digital, se bem que a Europa tenha sido pioneira no desenvolvimento da ciência da computação e da inteligência artificial, posteriormente perdeu a corrida no crescimento da indústria dos chips e do software. Atualmente, só uma empresa europeia se encontra entre as 20 maiores empresas tecnológicas do mundo (a alemã SAP), cumprindo, porém, relevar também a posição estratégica da empresa holandesa ASML no fabrico de máquinas de litografia que permitem a produção dos chips mais sofisticados.

Um outro problema reside no envelhecimento da população europeia economicamente ativa, de que decorrem diversos inconvenientes: por um lado porque o apoio aos reformados no domínio da previdência social é suportado pelos trabalhadores no ativo, cada vez em menor número; por outro lado, alguns empresários tendem a investir em países mais populosos e outros preferem receber imigrantes que, nalguns casos, por diferenças de índole cultural e religiosa, experimentam dificuldade em integrar-se na sociedade europeia.

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No campo da produção alimentar a UE tem sido alvo de múltiplas pressões de diversa ordem, não raro conducentes à perda de competitividade, ao decréscimo da produção e à subida dos preços de venda dos alimentos aos consumidores europeus, pondo mesmo em risco a soberania alimentar.

São vários e financeiramente robustos os grupos de lobbie que – por razões ideológicas ou em defesa dos interesses de terceiros que os subsidiam – mantêm uma atividade propagandística intensa, tanto junto da população como dos decisores políticos, principalmente em Bruxelas.

No campo da moderna biotecnologia, já em 1982 o lançamento da insulina sintética, produzida utilizando a bactéria Escherichia coli modificada geneticamente (GM), suscitou forte oposição por parte dos defensores da ecologia profunda, especialmente na Alemanha; porém, eram tão evidentes as vantagens comparativamente à insulina obtida a partir do pâncreas dos porcos e das vacas que os governos europeus não cederam à pressão de índole ideológica. Entretanto a moderna biotecnologia tem vindo a ser amplamente utilizada no campo da farmacologia, sendo de destacar a rápida preparação (menos de um ano) e o sucesso obtido pela recente vacina contra a Covid-19. Um sucesso comparável à chegada do homem à lua, na opinião da prestigiada socióloga Filomena Mónica (2020).

Todavia, no âmbito da agricultura a UE tem-se revelado muito refratária ao cultivo de plantas GM (só em Portugal e em Espanha é que está autorizada a cultura de milho GM para resistir aos ataques dos insetos, diminuindo assim o uso de inseticidas). Mas, por outro lado, a UE autoriza a importação de algumas culturas GM (transgénicas), com relevo para a soja OGM destinada à alimentação animal (cerca de 33 mil toneladas por ano).

Acontece que, na sequência da descoberta do ADN em 1944, veio a ter lugar a cultura de alimentos transgénicos (OGMs) a partir de 1996, ocupando atualmente cerca de 200 milhões de hectares no mundo, com relevo para os EUA (milho, soja, algodão, etc.), Brasil, Argentina, Canadá e Índia. De destacar a importância do arroz dourado, geneticamente modificado para apresentar um elevado teor de betacaroteno (pró-vitamina A), cujo consumo poderia salvar a vida a mais de 100 mil crianças, que morrem anualmente devido à deficiência de vitamina A. Mas a oposição feita pelos movimentos ambientalistas, com destaque para o Greenpeace, tem atrasado o cultivo do arroz “dourado”, que só ainda foi autorizado nas Filipinas (note-se que o seu consumo está autorizado nos EUA e no Canadá).

Acresce que na UE ainda nem sequer foi autorizado o cultivo de plantas melhoradas pelo método de edição de genoma (Novas Técnicas Genómicas – NTG) que permite alterações pontuais do ADN, mas sem inserir genes de outros organismos nas plantas. Este método possibilita o melhoramento das plantas para se tornarem mais resistentes às alterações climáticas, reduzirem a suscetibilidade a pragas e doenças, e melhorarem o valor nutritivo. Nos EUA e noutros países as culturas editadas de genoma estão isentas de regulamentação. Aliás, não são passíveis de serem identificadas por métodos laboratoriais. Na UE, onde os lobbies da ecologia profunda são fortes e a burocracia domina, não obstante o que precede foram apresentadas muito recentemente propostas legislativas sobre as NTG!

Por outro lado, na aplicação da Estratégia do Prado ao Prato e da recente Lei da Restauração da Natureza, na UE as áreas cultivadas sofrerão uma redução considerável, o uso de pesticidas e de adubos inorgânicos igualmente, bem como a produção animal – tudo concorrendo para colocar em risco a segurança alimentar.

Nestas circunstâncias, a moderna biotecnologia verde, incluindo plantas geneticamente modificadas e plantas editadas, poderia contribuir para melhorar as plantas no sentido de lhes conferir maior resistência às alterações climáticas, aos inseticidas e herbicidas, bem como maior capacidade fotossintética, e também maior valor nutritivo.

Por outro lado, na UE alguns ambientalistas preconizam menos 25 000 km de rios para que sejam de livre curso, o que significaria para Portugal um desastre caso viesse a ser obrigado a diminuir algumas barragens, pois, dada a natureza do nosso clima (mediterrânico), importa expandir a área de regadio. Para o efeito pode recorrer-se não só à construção de barragens e charcas, mas também à instalação de dessalinizadoras (em Espanha existem 765) e à utilização de águas residuais; adicionalmente é imperioso reduzir as elevadas perdas de água que se verificam, tanto no regadio como no abastecimento das populações. Sem expansão da área irrigada, e considerando que a situação de seca será recorrente devido às alterações climáticas, não é possível equilibrarmos a nossa balança comercial dos produtos agrícolas e agroalimentares, cujo défice (excetuando bebidas) ultrapassou 5 mil milhões de euros em 2022. Justo é relevar que o atual Governo Português tem reconhecido a importância do regadio mas, todavia, permite que os sistemas de regadio desperdicem mais de 35% da água e, tanto quanto é do meu conhecimento, o nível de execução do Programa Nacional de Regadios não está a cumprir o calendário previsto; ademais não conheço qualquer decisão sobre o emblemático Projeto Tejo, que não só vai permitir regar 300 000 hectares, como irá tornar o Tejo navegável até Espanha.

A terminar, importa ter em atenção que o Quadro Financeiro Plurianual 2021-27 aumenta significativamente os recursos financeiros para as políticas geridas diretamente pela Comissão Europeia, enquanto reduz os meios postos à disposição dos Estados-Membros (EM). Ora acontece que existem diferenças relevantes entre EM, designadamente no que respeita à fertilidade dos solos, ao clima, à estrutura fundiária e até às preferências alimentares.

A história mostra-nos que o dirigismo planificado centralmente pelo Estado está associado a fracassos calamitosos na produção de alimentos.

A Grande Fome Chinesa, ocorrida entre 1958 e 1962, está associada não só à planificação centralizada, mas também à aplicação de técnicas agrícolas baseadas na pseudociência proposta por Lysenko, sendo considerada como um dos maiores desastres provocados pelo homem na história da humanidade, com um número de mortes por inanição que se eleva a algumas dezenas de milhões.

De facto, Lysenko nega a existência de genes e a genética mendeliana é considerada «inconsistente com a filosofia do materialismo dialético» – ideias que são aplaudidas por Estaline. Ademais, inspirado no princípio marxista do materialismo, segundo o qual as condições que cercam um indivíduo ditam os seus comportamentos e repostas, Lysenko acredita que as plantas aprendem a defender-se sozinhas, o que o leva a proibir o uso de fertilizantes e de herbicidas.

Não surpreende que a aplicação destas ideias na União Soviética tenha conduzido a perdas enormes de colheitas, responsáveis pela morte por inanição de vários milhões de soviéticos.

Ainda hoje, os países que adotam um sistema de agricultura planificada e centralizada vivem em situação de grave carência alimentar. Diferente é a situação daqueles que transitaram para uma economia de mercado, por exemplo o Vietname, que se tornou o maior exportador de arroz do mundo e o segundo maior exportador de café.