É na segunda metade do século XIX que emergem os primeiros cientistas que viriam a ter uma importância decisiva na melhoria das técnicas agronómicas, com reflexos favoráveis na produtividade agrícola e consequente diminuição da fome que então afligia a maioria da população mundial.

Permito-me destacar três eminentes cientistas do final do século XIX que deram um contributo extraordinário para o desenvolvimento das técnicas agronómicas e, consequentemente, proporcionaram maior segurança alimentar à humanidade: (i) Mendel, que formulou as leis da hereditariedade, as quais regem a transmissão dos caracteres hereditários e viriam a revelar-se essenciais para o desenvolvimento da genética, que veio permitir o melhoramento eficaz de plantas e de animais, com reflexos extraordinários nas respetivas produtividades; (ii) Louis Pasteur que, para além de importantes descobertas no domínio da medicina, criou a técnica de pasteurização dos alimentos (só passado quase um século é que a mesma se veio a aplicar ao leite em Portugal!), derrubou a teoria da geração espontânea aristotélica, para considerar formas microscópicas de vida, tendo demonstrado que o solo apresenta vida microbiana intensa e chamando a atenção para que «a importância dos infinitamente pequenos é infinitamente grande», dando início ao desenvolvimento da microbiologia do solo; (iii) Liebig, que teve a coragem de refutar a teoria do húmus proposta por Aristóteles havia 2000 anos, tendo descoberto que as plantas se alimentam de nutrientes inorgânicos, chegando à famosa fórmula NPK – dando assim início à era dos fertilizantes inorgânicos.

Neste domínio cumpre anotar que em 1908 Haber descobre no laboratório as condições para a síntese química do amoníaco a partir do azoto da atmosfera e do hidrogénio da água, usando gás natural e assim libertando uma quantidade elevada de dióxido de carbono (gás de efeito de estufa); em 1912 o engenheiro metalúrgico Carl Bosch, da empresa BASF, industrializou o processo de obtenção do amoníaco – constituinte dos adubos azotados, como o sulfato de amónio. Estes dois cientistas foram galardoados com o Prémio Nobel da Química, respetivamente em 1918 e 1931.

Atualmente, como alternativa, pode produzir-se o chamado amoníaco verde, utilizando-se energia eólica ou solar, evitando assim impactos no ambiente decorrentes do fabrico supramencionado.

A importância dos adubos azotados na produtividade das culturas é de tal modo relevante que se estima que metade da atual população mundial (8 mil milhões de pessoas) sobrevive graças à utilização dos adubos azotados. Esta a razão por que o Secretário-Geral da Organização das Nações Unidas, engenheiro eletrotécnico António Guterres, tem vindo recentemente a revelar enorme preocupação com as dificuldades criadas às exportações de adubos azotados provenientes da Rússia e da Ucrânia – principais exportadores do mundo.

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Na sequência do importante contributo dispensado por Mendel no domínio da genética, cumpre destacar o papel desempenhado pelo engenheiro agrónomo Norman Borlaug que, após a II Grande Guerra, tendo-se apercebido que a fome matava milhões de cidadãos, nomeadamente na América Latina e na Ásia, foi impelido a dedicar-se com êxito ao melhoramento genético do trigo, aumentando 10 vezes a sua produtividade, tendo para isso criado um trigo anão e resistente às doenças (e, posteriormente, empenhou-se também no melhoramento genético do milho e do arroz).

Em 1970 Borlaug foi galardoado com o Prémio Nobel da Paz (pois o pão também serve para conseguir paz no mundo) e, mais recentemente Bill Gates (2021) considerou-o (sic) «um dos maiores heróis da história da humanidade».

Aliás, recorde-se que em 2020 o Prémio Nobel da Paz foi também atribuído ao Programa Alimentar Mundial das Nações Unidas (PAM) pela liderança no combate à fome.

Ainda no que concerne ao melhoramento genético das plantas, de assinalar que, na sequência da descoberta, em 1953, da estrutura tridimensional do ácido desoxirribonucleico (DNA) – que justificou a atribuição do Prémio Nobel a três cientistas –, emergiu a engenharia genética que permitiu conferir às plantas transgénicas (OGM) resistência a herbicidas e a insetos, para além de também poder melhorar o seu valor nutritivo. Em 2019 foi lançado um fertilizante biológico que contém uma bactéria geneticamente modificada (GM) que fornece à planta azoto do ar, mitigando assim as externalidades negativas associadas aos adubos azotados. Mais recentemente desenvolveram-se as Novas Técnicas Genómicas (NTG), que permitem a edição do genoma de modo preciso, sem introduzir ADN exógeno, sendo que esta nova tecnologia (denominada CRISPR-Cas9) dá lugar ao desenvolvimento de cultivares resistentes a pragas e doenças, menos exigentes em fertilizantes e mais resistentes à seca.

Acrescente-se que o desenvolvimento, em 2012, do aludido sistema, justificou a atribuição do Prémio Nobel da Química de 2020 a duas cientistas: a francesa Emmanuelle Charpentier e a norte-americana Jennifer Doudna.

A propósito dos avanços extraordinários que se têm alcançado no domínio da moderna biotecnologia, refira-se também que um grupo de cientistas norte-americanos e israelitas – preocupados com as mudanças climáticas – recentemente propôs uma estratégia para remover o CO2 da atmosfera, utilizando para o efeito uma tecnologia inovadora – que inclui poderosos métodos de biologia sintética e de sistemas (SSB) – suscetível de modificar as plantas de modo a removerem irreversivelmente o CO2 da atmosfera (DeLisi et al., 2020).

Os aludidos cientistas apontam vários exemplos suscetíveis de aplicação da mencionada tecnologia (e favoráveis à sustentabilidade ambiental), tais como: (i) alterar a relação entre as raízes e a parte aérea da planta, para aumentar a quantidade de CO2 retido no solo; (ii) aumentar a eficiência fotossintética das plantas; (iii) tornar as plantas mais resistentes à secura, modificando as folhas de modo a diminuírem a evaporação da água; (iv) elevar a produtividade das culturas, o que irá aumentar a sustentabilidade, na medida em que é necessária menor área de cultivo para determinada produção.

Adicionalmente, os referidos cientistas sugerem outras modificações genéticas das plantas (e.g. trigo) que se revestem de muito interesse, designadamente a capacidade de fixarem o azoto, à semelhança do que se verifica com as leguminosas, podendo desse modo consumirem grandes quantidades de óxido nitroso – um gás com efeito de estufa relevante. Sugerem ainda que as bactérias poderiam ser modificadas para utilizarem o CO2 como fonte de carbono, em vez de hidratos de carbono.

No que concerne ao melhoramento genético animal, no pós-guerra têm-se vindo a alcançar progressos notáveis na produtividade e, consequentemente, também na eficiência alimentar, com vantagens óbvias em termos de sustentabilidade ambiental, económica e social. Em Portugal, no que respeita às vacas leiteiras, a produção média de leite por vaca duplicou; no que concerne à produção suína, o número de leitões desmamados por porca/ano quase que triplicou; e, no tocante aos frangos de carne, o índice de conversão alimentar baixou de 4,4 para 1,4 – tudo o que precede expressa uma eficiência crescente, conducente à redução das áreas cultivadas (sustentabilidade ambiental) e a um decréscimo dos preços de venda (sustentabilidade económica e social), que veio a ser acompanhado por um crescente consumo de proteína animal em Portugal, o qual pode explicar a maior estatura dos jovens de hoje comparativamente com a dos seus avós criados antes dos anos 1950.

No domínio da sanidade vegetal, importa assinalar a síntese do primeiro pesticida, em 1939, pelo químico suíço Paul Müller, galardoado com o Prémio Nobel em 1948, como reconhecimento pelo impacto imenso que o DDT teve na luta contra as doenças causadas por insetos, designadamente malária e tifo. A Academia Nacional das Ciências Norte-Americana estimou que, só na Índia, o DDT salvou 500 milhões de vidas humanas até 1970. Este inseticida revelou-se seguro para os humanos, mas maligno para o ambiente, em particular para as aves, o que levou a bióloga Rachel Carson a publicar um livro intitulado “Primavera Silenciosa”, o qual viria a conduzir à proibição do uso do DDT em muitos países, nomeadamente na Suíça em 1969 e nos EUA em 1972, e, para além disso, o referido livro ajudou a lançar o movimento ambientalista.

Cabe notar que 99,99 por cento dos pesticidas (em peso) são sintetizados pelas próprias plantas e, apesar do uso adicional dos produtos fitofarmacêuticos para proteger as plantas dos seus inimigos (doenças, pragas e infestantes), em 2020 a Organização da ONU para a Alimentação e a Agricultura (FAO) estimou que as pragas e as doenças das plantas são responsáveis pela perda de cerca de 40 por cento das culturas alimentares no Mundo, o que deixa milhões de pessoas sem alimentos suficientes para comerem. Esta problemática agudiza-se ao admitirmos que a FAO estima que será necessário incrementar 60% a produção de alimentos até 2050, aumentando para o efeito a eficiência do uso dos recursos naturais, tendo presente a sustentabilidade económica, social e ambiental.

De sublinhar que todas as substâncias dos produtos fitofarmacêuticos utilizados em Portugal são previamente avaliadas pelas autoridades competentes da UE e, por sua vez, em Portugal a autoridade sanitária competente (DGAV) controla regularmente os resíduos de pesticidas nos alimentos, sendo que os resultados obtidos deixam-nos tranquilos no que respeita à observância dos limites máximos autorizados. Presentemente observa-se até uma tendência para a produção de alimentos com resíduos zero.

A este propósito, acrescente-se que, nomeadamente em Portugal, observa-se um crescente interesse por parte dos agricultores para substituírem os inseticidas de síntese por métodos de luta biotécnica contra as principais pragas de diversas culturas. Um desses métodos recorre à confusão sexual, no qual feromonas de síntese correspondentes às emitidas pelas fêmeas para atraírem os machos ao acasalamento são distribuídas na atmosfera, perturbando assim os machos e impedindo-os de encontrar as fêmeas.

Também as Novas Técnicas Genómicas (NTG), provavelmente autorizadas na UE num futuro próximo, irão permitir desenvolver variedades resistentes a fungos, reduzindo assim as aplicações de fungicidas na agricultura e contribuindo deste modo para a proteção do ambiente.

No que concerne à mecanização agrícola importa sublinhar que esta experimentou um progresso enorme no último século, dispensando os agricultores da realização de trabalhos penosos, melhorando a eficiência da produção agrícola e libertando numerosa mão-de-obra para a indústria e os serviços. Atualmente a agricultura de precisão usa computadores em conjunto com imagens de satélite para automatizar o trabalho desenvolvido pelas máquinas agrícolas.

De salientar ainda que a engenharia hidráulica tem dispensado um contributo relevante para o aumento da produtividade agrícola, nomeadamente em Portugal, cujo clima mediterrânico na variante atlântica (e que poderá sofrer um agravamento devido às alterações climáticas), apresenta prolongadas estiagens. Em meados do século passado, o engenheiro agrónomo e silvicultor Vieira Natividade considerou que estas estiagens «pesam sobre a agricultura portuguesa como uma trágica maldição».

Esta a razão por que os regadios públicos e privados têm conhecido uma crescente expansão em Portugal, mas segundo o último Recenseamento Agrícola (2019) ocupam ainda apenas 562 255 ha, se bem que seja reconhecido que o regadio entre nós consegue produzir em média cerca de seis vezes mais Valor Acrescentado Bruto face ao sequeiro.

Neste âmbito reconhece-se que importa reabilitar estruturas de regadio envelhecidas e pouco eficientes, nomeadamente proceder à reconversão dos sistemas de adução em canal para tubos fechados; adicionalmente cumpre investir cada vez mais em tecnologia digital, incluindo a agricultura de precisão, com vista a uma gestão eficiente da água de rega, podendo assim obter-se uma poupança de 70%.

Em conclusão, podemos afirmar que a ciência tem proporcionado avanços notáveis no campo agronómico, conduzindo a uma produção crescente de alimentos, suscetível de alimentar uma população que vem experimentando um enorme aumento, se bem que em 2021 o número de pessoas afetadas pela fome em todo o mundo se eleve ainda a 828 milhões, não raras vezes em decorrência de condições políticas, económicas e sociais desfavoráveis à produção de alimentos.