Em 1997 arrendei a minha primeira casa, um pequeno T1 numa zona menos cara de Lisboa, por cem contos (ou quinhentos euros, para millennials e zoomers), num contrato a termo certo. O salário mínimo, recorda o Pordata, era de duzentos e oitenta euros. A vizinha da frente, com uma casa maior e um contrato sem termo, pagava quinhentos escudos (dois euros e meio), ou seja, duzentas vezes menos do que eu. Na Avenida de Roma, onde eu vivia antes, as rendas rondavam os cinco euros, uma aberração provocada por um congelamento com origem antiga mas que se mantinha com taxas de inflação acima de vinte por cento, congelamento de rendas esse que beneficiava os inquilinos independentemente da sua capacidade financeira e destruíra o mercado de arrendamento, em especial para os jovens, como eu à data, e favorecia o aparecimento desse típico aparato lisboeta que são as marquises, as quais respondiam à necessidade de espaço adicional – já que ninguém largava casas virtualmente gratuitas para ir à procura de casas maiores.

Eram comuns as histórias de casas com várias assoalhadas em que vivia só uma pessoa, ou nem isso, porque o inquilino às vezes vivia noutro sítio e vinha de tempos a tempos arejar o apartamento, algo que eu julgava egoísta, mas era absolutamente racional do ponto de vista económico.

O final do século passado era também o tempo do engenheiro Guterres e do crédito à habitação jovem bonificado, em que quanto mais rico se fosse maior seria o subsídio, sem limites, porque um jovem sem rendimentos tinha direito a que o Estado (vulgo contribuintes) lhe pagasse quase metade dos juros nos primeiros anos, numa época em que o juro era a maior parte da prestação (porque as taxas estavam ainda acima de dois dígitos), e se o jovem tivesse fiadores ricos (os pais, por exemplo) podia pedir crédito de valores exorbitantes, uma vez que a “taxa de esforço” (relação entre rendimentos e prestação a pagar) era calculada com inclusão dos rendimentos dos fiadores, enquanto que os verdadeiramente pobres não tinham acesso a crédito bonificado, porque a taxa de esforço não o permitia.

Era este o trágico cenário da época: rendas congeladas a beneficiar, com situações de gigantesca injustiça social, os inquilinos, enquanto o Estado, com a sua habitual falta de rigor, intervinha no mercado de compra e venda, beneficiando os que tinham maiores rendimentos (e a banca, por simpatia) e inflacionando o mercado.

Agora, diz a Ministra da Habitação, as rendas antigas voltam a ficar congeladas “de forma definitiva” (Público de 23 de fevereiro). Para além da soberba de uma ministra, recém‑chegada a um ministério recém‑inventado, afirmar que qualquer coisa é definitiva, como se não pudesse estar fora do governo daqui a uns meses, esta atitude, de tão aberrante e socialmente iníqua, só pode ter um objetivo, que é o de captar os inquilinos com essas rendas antigas, como se a política fosse uma feira e os políticos feirantes.

PUB • CONTINUE A LER A SEGUIR