Nem a maravilha que o Verão Algarvio em Cabanas de Tavira é me afasta da Bíblia. Ao preparar um sermão nas cartas pastorais do Apóstolo Paulo apercebo-me de que o pai mais amoroso não é Deus. O pai mais amoroso é a desistência. E suspeito que boa parte do que leva tantos a não serem cristãos tem a ver com esta conclusão: por que hei-de eu entregar-me nos braços de Deus se os braços da desistência são ainda maiores?
A desistência é a divindade que melhor nos ama. A desistência ama-nos incondicionalmente. Qualquer pessoa que se cansa do que prometeu pode ser recebida pelo pai que a desistência sabe ser. A desistência é a parábola do filho pródigo ao contrário e com muito maior flexibilidade: afinal, o Deus cristão recebe quem se arrepende do mal que fez, mas a desistência recebe quem nem sequer precisa de se arrepender.
Há no Novo Testamento três cartas que o Apóstolo Paulo escreve a jovens pastores. Duas são para Timóteo e uma é para Tito. São cartas duras, cheias de recomendações e disciplinas a aplicar na vida das novas comunidades cristãs de então. Estes textos não têm muita piada e há até um tom sombrio, sobretudo na segunda carta a Timóteo, crida como a última escrita pelo Apóstolo. Paulo tinha a noção de que a sua morte se aproximava e vários tinham-no abandonado.
O Apóstolo Paulo explicava que, no fundo, ter fé não é a mesma coisa do que ter uma vida fácil. Há muita gente que gosta de Jesus e que gosta também de uma vida fácil — ganha sempre a última. Há até gente que não gosta de Jesus e que, gostando de uma vida fácil, tem a vantagem de evitar a hipocrisia religiosa. Um dos homens que tinha abandonado Paulo e a fé cristã chamava-se Demas porque preferiu os encantos da sua época (“amando o presente século”).
Apesar de ser cristão, sou também bastante sensível aos encantos da minha época. Como vos dizia no primeiro parágrafo, sou, por exemplo, um fã deste Algarve de 2024, mesmo que com demasiados turistas e filas. Por vezes passa-me pela cabeça deixar-me de tretas e procurar outra profissão além de ser pastor, em que não tenha de chatear a cabeça às pessoas acerca da dureza de uma existência com fé. Passa-me pela cabeça desistir e recordo que a desistência terá os braços abertos para mim, amando-me incondicionalmente.
Desistir é um pai de braços abertos. Pode receber-me a mim e tem recebido tanta, tanta gente. Nunca conheci uma pessoa rejeitada pela desistência. O tempo que vivemos, além de estar cheio de encantos, tem sido também um tempo acolhido pelos braços amorosos da desistência. Creio que a nossa época é uma eficaz missionária da desistência, retirando a insuportável culpa de cima dos ombros de quem encontrou prazeres maiores do que cumprir promessas. Há custos para ser filho de Deus mas ser filho da desistência é grátis.