Nos 1189 capítulos que a Bíblia tem apenas nos dois primeiros há uma harmonia razoável entre nós e o mundo. Mal chega Génesis 3, tudo corre mal. Acaba-se a paz. Aí o mal entra no coração do homem e parece que nunca mais vai sair. É verdade que os últimos capítulos do Apocalipse nos atiçam com a perspectiva de um mundo novo onde, finalmente, o mal terá o que merece. Mas temos de encarar o facto de que as páginas da Bíblia não têm grande quantidade de paz com o mundo.

Alguns adversários do cristianismo dizem que a crença nas consequências universais do pecado pode ser um modo de não cuidarmos da natureza. Não estou certo disso mas reconheço que nós, cristãos, não romantizamos a nossa ligação com o ambiente. Acreditamos que o mal que acontece dentro de nós faz com que o mal aconteça fora de nós também. Por causa disso, a paz que qualquer um deseja facilmente esbarra com as circunstâncias externas que vivemos. Sentimos o mal cá dentro e sentimos o mal lá fora.

Lembram-se do profeta Daniel na Babilónia? Que história! E é mais do que uma história — é meia dúzia delas. Daniel era um estrangeiro inteligentíssimo num sistema imperialista bastante opressivo, como hoje o pessoal gosta de dizer. A Babilónia sendo a Babilónia tinha olho para detectar gente esperta entre os inimigos que conquistava. Daniel apenas precisava de se conformar para que alcançasse alguma paz neste sistema — neste caso, precisava de se desligar do seu Deus parando as suas hebraicas devoções diárias. O dilema para ele tornou-se este: paz com as circunstâncias ou paz com Deus?

Daniel escolheu a segunda opção e isso significou que as circunstâncias se vingaram dele… na forma de uma cova cheia de leões rugindo. A natureza pode tornar-se bem perigosa quando Deus é a nossa prioridade. Mas um anjo fez aquelas bestas portarem-se como gatinhos e Daniel saiu poupado. Todos ficaram fora de si. Deus pode fazer leões ronronar ao teu colo — e é um espectáculo quando assim é. Mas paz também é o que acontece quando bestas se comportam como bestas e nos comem vivos. Afinal, foi mais isso o que Jesus experimentou. Na cruz Jesus foi comido vivo para que confiemos que, até quando as circunstâncias externas nos perturbam, haverá um tempo de paz que acabará mesmo por vir. É isso que está em causa na morte e na ressurreição de Jesus.

O preço da paz foi caro — foi pago por nós! — para que esperemos com confiança na sua chegada futura e perfeita. Cristo é essa paz eterna. Daí que não seja nada despropositada a oração que pede a Deus que abra os nossos olhos para a verdadeira paz — algo muito maior do que a harmonia imediata com a natureza ou a ausência de dificuldades. Os cristãos acreditarão que através do Espírito Santo lhes pode ser dada a coragem que Daniel teve para que beneficiem do que Jesus fez ao morrer e viver novamente. O facto de aqui podermos ser devorados por leões não significa que um dia eles não possam ronronar ao nosso colo.

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