No fim do mês de Outubro, a União Europeia publicou no seu Jornal Oficial o Regulamento dos Serviços Digitais, que começará a ser aplicado a partir de Fevereiro de 2024. Em conjunto com o Regulamento dos Mercados Digitais, publicado a meio de Outubro e para ser aplicado a partir de 2 de Maio de 2023, estes actos legislativos correspondem ao mais recente pacote da União Europeia para enfrentar as múltiplas questões levantadas pela crescente digitalização das nossas sociedades.

Em conjunto, os dois Regulamentos pretendem criar um espaço digital seguro onde os direitos fundamentais de todos os utilizadores dos serviços digitais sejam protegidos, além de procurarem condições concorrenciais que promovam a inovação, o crescimento e a competição, tanto no Mercado Único Digital, como globalmente.

Ambos os Regulamentos partem da constatação de que os serviços digitais, em especial as plataformas em linha, desempenham uma função de suma importância, quer nas comunidades politicamente organizadas, quer nas economias dos vários países. A vida quotidiana dos cidadãos globais já não dispensa o recurso a estes serviços. Estar em e na rede é uma forma de estar no mundo, sendo que quem está excluído da digitalização sofre uma das mais penosas formas de dessocialização num tempo de hiperconexação.

Conforme vem salientando a Comissão Europeia, as tecnologias digitais estão a transformar todos os aspectos das nossas vidas, oferecendo oportunidades sem precedentes. Desde o trabalho, à aprendizagem, à socialização, às compras, ao entretenimento, ao acesso aos serviços públicos, aos cuidados de saúde ou à cultura, os meios digitais são preponderantes, encontrando-se em rápida evolução, principalmente em domínios como a inteligência artificial, a computação em nuvem, a robótica, a análise de dados ou a internet das coisas. A digitalização permite uma expansão quase ilimitada da(s) liberdade(s), ligando lugares, pessoas, ideias e negócios.

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Mas se a tecnologia oferece oportunidades extraordinárias para o desenvolvimento das nossas comunidades e economias, acarreta também significativos perigos. Desde logo para os valores democráticos, a segurança, a privacidade ou os próprios fundamentos das nossas sociedades, sem esquecer o controlo de mercado exercido pelos gigantes digitais, que funcionam como barreira à competição e inovação.

As novas regras que vigorarão na União Europeia visam, precisamente, criar um ambiente em linha mais saudável, estabelecendo novas obrigações a cargo dos gigantes digitais, ainda sem dar o passo de publicizar certos aspectos do seu estatuto, questão que volta a ser premente face ao risco de captura de fóruns ou ágoras globais, como parece poder estar a acontecer com o Twitter.

Um outro vetor desta equação, como parte do problema, mas sobretudo da solução, é a comunicação social, circunstância não ignorada pela União Europeia que, pelas mãos da Comissão Europeia, veio apresentar em Setembro deste ano uma proposta de regulamento “liberdade dos meios de comunicação social”. Reconhecendo a informação como um bem público, e, por consequência, o jornalismo como um serviço público prestado em benefício da sociedade, a Comissão Europeia quer garantir uma comunicação social independente de quaisquer interferências, pluralista, e atuante em prol do discurso público democrático.

Com redações depauperadas, quer em recursos humanos, quer em recursos financeiros, muitas vezes orientadas quase exclusivamente para os desafios imediatos do digital, mais tentadas a produzir conteúdos clicáveis do que notícias, o jornalismo de qualidade merece hoje o nosso respeito coletivo, mas, sobretudo, o apoio público, sempre com garantias de não-interferência. É, aliás, possível que esses apoios sejam mais bem distribuídos e melhor percebidos se forem geridos pela União Europeia do que a nível nacional.

Uma coisa é certa: quer no mundo digital, quer no mundo físico, o jornalismo continua a ser uma profissão de risco. Só em 2021 terão morrido, no exercício da sua atividade, 45 jornalistas no mundo inteiro. Em 2022, são já 59, segundo dados do Comité para Protecção dos Jornalistas. Além disso, a 1 de Dezembro de 2021 estavam presos quase 300 jornalistas, em países como a China, o Egipto, o Myanmar, a Bielorrússia ou a Turquia.

Tenho esperança de que a criação de condições de segurança e competição no ambiente digital, associado à defesa inveterada dos media na sua missão de interesse público, dê um novo impulso ao negócio da comunicação social, levando a mais e melhor jornalismo, com mais e melhores recursos. Também disso depende a saúde das nossas democracias e a qualidade dos espaços digitais que todos frequentamos. Até lá, já me contentava que diminuísse brutalmente o número de crimes cometidos contra jornalistas que se encontrem no exercício das suas funções, deixando de ser necessário assinalar o Dia Internacional para o Fim da Impunidade dos Crimes contra Jornalistas (2 de Novembro).

Cada ataque a um jornalista é, antes de mais, um ataque à própria verdade, ao escrutínio do poder e à essência da democracia, devendo por todos ser veementemente rejeitado. Mas cada ataque a um jornalista faz também com que dez outros se empenhem redobradamente na sua nobre e relevante missão.