Em 2019, para bem da diversidade aliada ao conceito de uma democracia pluralista do século XXI, o legislador não tem cara, ou, pelo menos não precisa de ter: já não é um homem de uma família conhecida e dentro e um “clube” próprio de famílias ligadas ao mundo político.

É isto o que a diversidade traz. Teoricamente.

A prática mostra uma degeneração deste conceito.

A degeneração: as cadernetas de cromos dos partidos.

Em celebração de uma comunidade pluralista de um legislador sem cara, a cara dos legisladores começa a importar. Fez-se manchete, no Diário de Notícias, com o perfil dos candidatos às legislativas do Bloco de Esquerda: “Lésbica, afrodescendente, médico e estudante universitária: as novidades do BE”. A representação do Bloco – mas não só, avise-se já — é cuidadosamente premeditada para conseguir preencher o máximo possível de espaços na caderneta.

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Matricialmente, importa a questão de saber se o trade-off da diversidade que matiza o parlamento degenera em populismo.

Em 2014, Catarina Martins disse que “a diversidade no Bloco de Esquerda não é defeito, é feitio”. Não deixa de ter razão e de ser uma pertinente ação, de modo a metamorfosear a Assembleia da República num parlamento cada vez mais plurivocal.

Mas há anos que outros partidos têm vindo a fazer o mesmo — ainda que sem necessidade de o apregoar religiosamente.

Essas escolhas não têm o seu fundamento na cor da pele, na profissão, nas origens ou na idade — apenas o mérito de cada indivíduo para carregar o peso de parte do poder legislativo.

Portugal tornou-se num país com diversas minorias, desde brasileiros a venezuelanos, angolanos a moçambicanos, ingleses a alemães.

As novas gerações têm felizmente opções sexuais diversificadas sem necessidade de serem escondidas em armários de vergonha.

A sociedade portuguesa tem caminhado para se metamorfosear num todo constituído por vários tipos de pessoas.

Contudo, cada minoria étnica, religiosa ou de orientação sexual não age nem se resume nessa mera característica. Os representantes, no parlamento, representam-se a si mesmos e, nomeadamente mediante a disciplina partidária, o seu partido.

O objetivo da diversidade na política está pobremente idealizado como se cada representante apenas defendesse os interesses decorrentes da sua própria condição.

Isto é uma sociedade neo-estamental e nunca poderá ser o ideal num país verdadeiramente democrático.

Na Assembleia da República, nós não temos 5 muçulmanos, 20 homossexuais, 70 negros: temos 230 portugueses, unidos sob a mesma bandeira.

Em Espanha, com um modus operandi muito semelhante ao BE, o Podemos de Pablo Iglesias leva ao limite a estratégia de diversificação das listas:

  • Echenique substituído por Raul Gay na quota de deficiências;
  • Aitzole Araneta como transexual;
  • RIta Bosaho como negra equatoriana;
  • e até Alberto Rodriguez, o rastafari.

A diversidade como arma política populista de um específico setor do espectro político.

Idealmente, numa democracia, os eleitores não votam no legislador pela estética — e, entenda-se, isto é uma acusação que temos em franca noção como algo grave –, mas pelo mérito. Isto, porque os sistemas de quotas — independentemente da situação, mesmo quando necessários — acabam por ser uma orientação da realidade segundo critérios de justiça que moldam a situação e privam a oportunidade de uns para a dar a outros.

Todos os partidos devem saber isto. E cuidadosamente passarão, com grande certeza, a aproveitar a situação ao máximo, até o interesse dos eleitores passar para a nova tendência.