No final da semana passada, junto com o Bruno P. Carvalho, o Miguel Herdade, a Susana Peralta e a Ana Balcão Reis apresentámos uma proposta para a recuperação de aprendizagens.

Este documento pretendeu ser um instrumento de debate num dos mais difíceis momentos do sistema de ensino português. Os autores da proposta estudam ou implementam projetos sobre desigualdades, educação e impactos do ensino a distância e têm pedido soluções que evitem que a pandemia deixe uma fatura pesada sobre as gerações mais novas.

Algumas críticas foram levantadas à proposta, como por exemplo em relação às hipóteses acerca da dimensão de perda de aprendizagens durante a pandemia, à escolha dos programas de recuperação de aprendizagem apresentados, ou à sua análise custo-benefício. Dada a relevância da discussão, importa, por isso, considerar algumas das críticas feitas à proposta e discuti-las:

  1. Estudos em diversos sistemas de ensino que acompanharam os alunos antes e depois do primeiro confinamento foram consensuais acerca dos impactos nas aprendizagens, em particular nos alunos de contextos socioeconómicos mais desfavorecidos. Dadas as difíceis condições do ensino a distância em Portugal, detalhadas no relatório que publicámos em fevereiro, impactos igualmente preocupantes eram expectáveis. Este é ainda um momento de incerteza e por isso, na nossa proposta, considerámos diversos cenários para o número de alunos que necessitarão de programas de recuperação de aprendizagens, baseados nos resultados pré-pandemia das provas de aferição do 2º, 5º e 8º ano;
  2. Quando nos propusemos escrever esta proposta, um dos principais objetivos foi procurar na experiência internacional que tipo de programas aplicados em vários países da OCDE se haviam revelado, antes da pandemia, como os mais capazes de contribuir para o progresso dos alunos, em particular daqueles com maiores dificuldades. No caso das tutorias, duas metanálises recentes mostram como estas políticas são as que têm impactos mais consistentes na recuperação dos alunos;
  3. É verdade que muitos destes estudos usam testes padronizados para medir o impacto de políticas educativas, ou seja, testes com questões iguais respondidos por diferentes alunos, permitindo estabelecer comparações entre resultados. Obviamente que qualquer teste isoladamente é uma medida imprecisa da aprendizagem do aluno. Contudo, quando olhamos para a sistematização de vários estudos, confluindo num resultado semelhante, estarão todos enviesados? Estará todo o padrão encontrado incorreto?;
  4. Mas consideremos que de facto estas medidas são incompletas, designadamente não avaliam diretamente outras componentes relevantes para o desenvolvimento dos alunos, como as socio-emocionais. Contudo, programas de tutorias, aplicados durante a pandemia, mostram ter fortes efeitos positivos não só sobre o desenvolvimento cognitivo, mas também não cognitivo, como nas aspirações dos alunos e no seu bem-estar psicológico. Programas como as escolas de verão podem igualmente contribuir nesta dimensão. No essencial defendemos um programa de atividades lúdicas e de socialização durante as férias, muitas das quais já existentes no terreno, complementadas com uma hora de tutoria por dia;
  5. Mesmo que nenhum destes programas tenha impacto direto na dimensão socio-emocional, políticas que preservem a escolaridade destes alunos têm, por si, consequências relevantes noutras dimensões do desenvolvimento pessoal, como mostram recentes dados que ilustram a correlação entre escolaridade e esperança média de vida ou estudos que mostram a relação entre escolaridade, saúde e comportamentos de risco e dependência na vida adulta;
  6. Criticou-se também a referência a testes como o PISA. Existem questões metodológicas na aplicação do PISA, relacionadas, por exemplo, com a amostragem ou com o esforço que os alunos despendem na prova. Contudo, provas como o PISA e outros testes internacionais como o PIRLS e o TIMMS têm-se revelado fortemente correlacionados com o desenvolvimento económico. Na nossa proposta usamos as previsões da OCDE para as potenciais perdas de rendimento ao longo da vida devido ao encerramento das escolas, baseadas no teste PIAAC (um teste equivalente ao PISA para adultos). Assumamos, por hipótese, que esta medida é profundamente enviesada. Se subestimar os danos sobre o rendimento, então significa que as políticas apresentadas têm um benefício ainda maior que aquele estimado. Para acautelar para a possibilidade de sobrestimação, na apresentação dos resultados, calculámos o retorno dos programas com base em metade do salário mediano, valor abaixo do salário mínimo atual, sendo por isso uma estimativa conservadora;
  7. Finalmente, tem sido criticado o próprio conceito de análise custo-benefício destas políticas. Um debate sobre políticas públicas é sempre um debate sobre alternativas, devendo por isso ser informado, por forma a escolher aquelas que mais podem ajudar os alunos nas suas dificuldades no pós-confinamento. Foi mesmo discutido o uso do PIB nesta análise. Mais uma vez, como todas as métricas, o PIB é uma medida insuficiente de desenvolvimento. Contudo, o PIB é também uma medida de rendimento, rendimento que é necessário para o bem-estar futuro destas gerações. Dada a forte correlação entre escolaridade e retornos no mercado de trabalho, não falar de rendimento quando falamos de perda de aprendizagens é ignorar os impactos sobre o futuro destes alunos.

Por fim, em algumas outras críticas a esta iniciativa questionou-se a legitimidade que economistas, incluindo economistas da educação, têm para participar nesta discussão. Tal posição ignora todo o trabalho de investigação em economia de educação com contributos dados nas últimas décadas por economistas como James Heckman acerca da importância da educação pré-escolar ou da importância de factores não cognitivos no desenvolvimento dos alunos, de Ludger Woessmann na identificação dos factores que na família e na escola influenciam o progresso escolar, de Kirabo Jackson na recente discussão sobre o impacto do aumento dos recursos para as escolas, de Raj Chetty sobre o impacto dos professores ao longo da vida dos alunos, ou ainda de Stephen Machin sobre programas e métodos de aprendizagem de leitura.

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Todas as disciplinas científicas têm um papel neste debate. Excluir uma vasta literatura empírica em economia da educação é fechar a discussão.

A nossa proposta, tal como todas as outras que surjam no debate, deve e tem de ser discutida com escolas, professores e pais, que tanto esforço fizeram ao longo deste ano de pandemia.

Espero, sinceramente, que outras ideias concretas, apoiadas em evidência, possam ser apresentadas. Este debate não é uma guerra ideológica nem é exclusivo de ninguém. É antes sobre o futuro daqueles que vão já no segundo ano letivo fortemente perturbado pelo contexto pandémico.