Na segunda-feira, dia 27, ainda na ressaca das autárquicas, o Instituto de Avaliação Educativa (IAVE) divulgou novos dados que são a melhor informação disponível até agora sobre o estado do percurso escolar dos alunos. Estes dados permitem um retrato mais rico sobre os dois anos de pandemia e colocam as significativas quedas nos resultados dos alunos portugueses em linha com aquelas que observamos noutros sistemas de ensino.

Os dados abrangem um conjunto de alunos do 2º, 5º e 8º ano, avaliados em junho de 2021, cujos resultados podem ser comparados com provas de aferição de anos letivos anteriores: de 2019, no primeiro caso, e de 2018 nos últimos dois. Este exercício é particularmente útil para os alunos do 2º ano, que passaram parte dos dois primeiros anos do ensino básico num modelo de ensino a distância, tendo sido particularmente afetados por todo o período de pandemia.

Estas provas de aferição são feitas por amostragem e abrangem cerca de 47 mil alunos do total de 262 mil inscritos nestes anos de ensino. O relatório divulgado pelo IAVE denota uma preocupação na representatividade da amostra, apesar de uma aparente sub-representação de alunos nas escolas públicas da Área Metropolitana de Lisboa e do Norte, em favor das zonas do Alentejo, Algarve e Centro. Os resultados destas provas de aferição não são notas quantitativas mas percentagens de alunos classificados nas categorias de “Conseguiram”, “Conseguiram, mas….”, “Revelaram Dificuldade” e “Não conseguiram ou não responderam” em diferentes domínios avaliados em cada disciplina. Por exemplo, em Português estes domínios incluem Oralidade, Leitura e Educação Literária, Gramática ou Escrita.

O impacto da pandemia mede-se contrastando a percentagem de alunos que se encontra em cada uma das categorias. Por exemplo, se mais alunos se concentrarem na categoria “Não Conseguiram ou não responderam”, então a diferença da percentagem entre as duas provas de aferição (antes e depois dos confinamentos) será positiva, sinalizando piores resultados. É precisamente essa análise que apresento abaixo, na média das diferenças dos alunos na categoria “Não Conseguiram ou não responderam” nos vários domínios avaliados nas disciplinas de Português, Matemática e Estudo do Meio.

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Há razões para apreensão. A português, a percentagem de alunos na categoria mais baixa de resultados aumentou, em média, 6 pontos percentuais no 2º ano e cerca de 14 no 5º ano. No 2º ano o domínio da gramática é particularmente preocupante com um aumento de alunos nesta categoria em cerca de 27 pontos percentuais. Em Matemática, ainda no 2º ano, a percentagem de alunos com os mais baixos resultados cresceu em cerca de 22 pontos percentuais e no 8º ano em cerca de 13. Em Estudo do Meio no 2º ano a percentagem de alunos na categoria mais baixa de resultados aumenta em cerca de 6 pontos percentuais.

O Ministério da Educação divulgou igualmente a percentagem média de respostas acertadas em questões que exigem diferente complexidade cognitiva: das mais complexas – “Raciocinar e Criar”  – às menos complexas – “Conhecer/Reproduzir”–, passando pelas intermédias – “Aplicar/Interpretar”. Os resultados são de novo preocupantes, com percentagens de respostas de alunos a responder corretamente nas categorias mais elementares a caírem 19 pontos percentuais em Matemática no 2º ano, e 16 e 17 pontos percentuais, nas categorias de complexidade intermédia e complexa, também na disciplina de Matemática, no 8º ano.

Constatamos, portanto, que a pandemia afetou e muito a aprendizagem dos alunos. O que me suscita uma série de reflexões.

1 O que fazer com estes dados? Esta informação deve servir para construir políticas públicas, nomeadamente o programa de recuperação de aprendizagens 21|23 Escola+ apresentado pelo governo. Uma das questões que continua em aberto no Plano de Recuperação é a forma de alocação dos recursos. É preciso definir quantos alunos conseguimos apoiar com os recursos que foram destinados e se a dimensão das perdas sinalizadas nesta aferição cabe ou não nos recursos existentes. Adicionalmente, temos de utilizar estes dados para dirigir os recursos para as escolas e alunos em maiores dificuldades. O próprio plano, na definição do reforço extraordinário de docentes a atribuir a cada escola, apenas diferencia a intensidade deste apoio entre escolas TEIP (Programa Territórios Educativos de Intervenção Prioritária) e as restantes. Em contraponto, o indicador que deveria guiar esta distribuição é a evidência concreta sobre as escolas e alunos com maiores dificuldades que os resultados das provas de aferição sinalizam com muito mais precisão.

2 A forma como reportamos deve ser melhorada. Seria relevante que, sem prejuízo da componente qualitativa atual, estas provas tivessem igualmente uma nota quantitativa para podermos saber a distribuição de resultados entre alunos. Estas são medidas que objetivam a realidade e permitem que escolas, pais e a opinião pública em geral compreendam a dimensão do problema, facilitando a comparabilidade entre alunos em diferentes situações. Abordagens plurais que incorporem informação qualitativa e quantitativa são sempre complementares e não exclusivas.

3 A divulgação destes resultados deve ser mais objetiva e enfática para a opinião pública. Esta publicação passou totalmente despercebida do debate público, entretido que ainda estava com as eleições do dia anterior. Não nos iludamos: o esquecimento é um dos maiores riscos que corremos neste momento. O esquecimento de que houve uma pandemia que prejudicou as aprendizagens, o esquecimento dos alunos que ficaram para trás, o esquecimento das desigualdades educativas que a pandemia cimentou. Para não esquecer é preciso mostrar claramente o estado em que estamos e usar este conhecimento para nos guiar para onde queremos ir.

4 Finalmente, desde o primeiro confinamento e consequente encerramento das escolas, a falta de informação sobre a realidade portuguesa tem levado a um misto de apatia e desconfiança sobre os danos que a pandemia deixou nas aprendizagens. A primeira tentativa de compreender o impacto da pandemia foram as provas de aferição dos alunos do 3º, 6º e 9º ano, realizadas por amostragem em janeiro de 2021. Esta avaliação foi atropelada pelo segundo confinamento, afetando a composição da amostra e gerando alguns problemas de representatividade geográfica. Os resultados desta aferição já apontavam para indicadores preocupantes, como cerca de 60% de alunos que completaram menos de um terço da prova de matemática com sucesso. Contudo, uma das maiores limitações destes dados era a falta de comparabilidade com provas realizadas antes da pandemia, impedindo-nos assim de ter um momento de comparação antes e depois dos confinamentos. Houve quem afirmasse que estes resultados não eram mais do que o “estado da arte” do sistema, com ou sem pandemia. Agora sabemos que não eram.

‘Caderno de Apontamentos’ é uma coluna que discute temas relacionados com a Educação, através de um autor convidado.