A caça às bruxas é um desporto muito antigo que tem evoluído: hoje, no mundo ocidental – não é assim noutras regiões do mundo – já não dá origem à morte dos acusados, em rigor, mais acusadas que acusados.
Actualmente a caça às bruxas tem um sentido mais metafórico, embora continue ligada ao pânico social e à histeria de massas e, em maior ou menor grau, à necessidade de ostracizar os responsáveis por ameaças sociais consideradas relevantes.
A ideia de que é preciso excluir os indivíduos que ameaçam a sociedade é antiquíssima: Sócrates – o antigo, o legítimo – não terá sido condenado à morte pelo que pensava ou dizia em abstracto, terá sido condenado à morte porque corrompia a juventude, diziam eles.
A ideia de que é preciso perseguir os negacionistas da covid tem exactamente a mesma lógica, e, já agora, a mesma solidez de fundamento, das caças às bruxas mais conhecidas.
Pedro Abreu, um dos mais notórios perseguidores de bruxas, não poderia ser mais claro na demonstração de que assim é: “O nosso Estado de Direito está a falhar no combate ao ativismo negacionista que em 18 meses extravasou o espaço do direito de opinião e liberdade de expressão para se tornar sucessivamente numa ameaça à saúde pública, instituições democráticas e segurança nacional”.
Consequentemente, aliás, o mesmo Pedro Abreu orgulha-se de ser um denunciante de médicos que, na sua opinião, atentam contra a saúde pública, ilustrando outra constante da história das caças às bruxas: os denunciantes, os caçadores de bruxas, embora recorram a métodos moralmente discutíveis, orgulham-se das suas acções porque não têm a menor dúvida sobre a sua superioridade moral na defesa da comunidade.
Nada do que se tem vindo a passar é novo e mesmo o jornalismo militante que tem existido está dentro do quadro histórico das caças às bruxas, sendo uma das componentes modernas da histeria de massas que fertiliza o chão de onde brotam as caças às bruxas.
O mais recente exemplo destas tristes histórias atingiu um amigo meu que, há mais de um ano, dá apoio a todos os doentes covid que passaram pelo hospital de referência covid em que trabalhava, desde a urgência, à enfermaria, e até à unidade de cuidados intensivos.
No entanto, para jornalistas militantes, trata-se apenas de um médico negacionista de Coimbra, que nem vale a pena contactar previamente à publicação de uma peça sobre ele próprio.
Quem conhece a história procura não confundir jornalismo com caça às bruxas e, como qualquer pessoa decente, só pode denunciar esta corrupção do jornalismo, estando do lado da barricada onde sempre esteve a liberdade, contra a injustiça: do lado das bruxas.