A campainha da casa tocou. A casa, que estava toda enfeitada em tons laranjas com luzes, velas, potes, vassouras e chapéus, tinha dentro dela um homem mascarado de Harry Potter, de óculos redondos, uma cicatriz em forma de seta na testa, e com um livro de poções e cativações debaixo do braço. À sua frente, uma abóbora continha rebuçados, chocolates, gomas, e tantos outros brindes que jurou o governante da casa serem mesmo os melhores que poderia haver.
À vez, por ordem de tamanho, grupos de pessoas apareceram com um ultimato: “Doçura ou Travessura?”.
Com uns, o governante tentou chegar previamente a acordos sobre quais guloseimas usar para encher a abóbora, para minimizar a hipótese de não gostarem da sua escolha. Com outros, de pouco valeria falar, já que de grupos muito pequenos se tratava, e, a esses, não se precisa de agradar. O primeiro grupo estava sempre garantido que receberia os melhores rebuçados. São aliás, o grande apoio àquele Harry Potter. Tinham o mesmo tamanho do segundo grupo, mas, de arrasto, trouxeram dois primos consigo, e assim puderam chegar primeiro à casa. O segundo grupo está indeciso. Decidiu esperar atrás de um arbusto, à espreita de descobrir o que o terceiro grupo iria fazer. E ali vinham eles. Tocaram à campainha. E continuaram a tocar. E tocaram novamente. Ao longe, aparentou verem-se luzes entre a porta e o batente, o que indicia que a porta se abriu. Terá o governante sussurrado algo ao líder do terceiro grupo? Terá o líder do segundo grupo visto bem? Apesar da aparente conversa, o terceiro grupo optou pela travessura e sujou a casa a toda a volta. Disse o líder do terceiro grupo que o governante lhes prometeu dar chocolates, mas, afinal, tê-los-á trocado por brócolos. Ao ver o aparato, o segundo grupo subiu a escadaria até à porta, deixou um papel com a nota “Nem doçura, nem travessura”, e abandonou o local. Não sem antes escutar acidentalmente o governante afirmar bem alto ao telefone que nem sequer ouviu a campainha da casa. Quem lhe terá telefonado? Após a chamada, e após a leitura do papel, decidiu deixar a abóbora do lado de fora para não ter de se preocupar mais com a campainha. De seguida, apareceram os grupos mais pequenos. Um deles, o quarto grupo, tinha dado anteriormente a entender que poderia contribuir para as guloseimas do cesto. Tirou na mesma as doçuras, mas optou também por uma pequena travessura. Todos os restantes grupos optaram apenas pelas pequenas travessuras, por várias razões. Chegou até a aparecer uma pessoa, sozinha, que ao ler os ingredientes de um dos doces decidiu que nunca poderia comer aquilo, apesar de uma vez, de viagem à Madeira, até tenha aceitado. Um dia, quando se tornarem grupos maiores, poderão deixar marcas maiores na casa, ou, em alternativa, trazer dali mais e mais saborosas guloseimas do que as que poderiam trazer naquele momento. No rescaldo da noite, todos se aperceberam que o governante ficou com guloseimas, cativas na abóbora, suficientes para mais dois Halloweens.
Quando esses doces acabarem, virá o dia em que se apresentam todos como santos. E no dia a seguir a esse, será inevitavelmente dia dos mortos. Politicamente falando, claro.