Há menos de três semanas a Heloísa e o Raffael, brasileiros, confirmaram-me que casariam a 7 de Setembro. O Raffael já está em Portugal há mais de um ano e a Heloísa chegou há um par de meses. Quando ele conversou comigo pela primeira vez, antes de ela chegar, soube do plano de casamento: já andava a tratar de tudo na conservatória aqui. Na prática, ela chegaria para casar. Como apanharam a época do Verão nem tudo correu de acordo com os planos, mas finalmente conseguiram a data.

Quando ouve a história destes jovens de cerca de 25 anos o europeu sente-se transportado para outro século. Por um lado, soa a casamento real em que a Princesa chega direitinha para as bodas, sem as carências e caprichos do namoro moderno. E depois tudo fica mais confuso porque, numa história de agora que parece seguir um guião arcaico, se adiciona o típico cinismo contemporâneo disfarçado de prudência: como assim, casar logo, num país novo, sem o enamoramento prolongado que testa compatibilidades?

Nas razões para não casar considero a prudência a pior. Também é este tipo de atitude que nos leva a um mundo em que as pessoas tragicamente não casam por sensatez, talvez dos piores que já houve em tantos mundos que o mundo já foi. Mas divago e não quero escrever acerca dos que não casam mas acerca da inspiração destravada trazida pela Heloísa e pelo Raffael (e nem devo precisar de acrescentar que, talvez mais valioso do que casar, é permanecer casado).

Em escasso tempo útil a Igreja da Lapa mobilizou-se para ajudar os pombinhos. Programa da cerimónia aqui, sessões de aconselhamento ali, vestido e maquilhagem acolá, flores acoli, carrinha para mudanças além, e por aí fora — tudo em contra-relógio, claro (e não pode falhar a transmissão do casamento através do YouTube porque a família no Brasil quer ver a acção a acontecer). A um evento destes não se assiste, participa-se. Ir a casamentos é para turistas — isto é outra coisa.

Nos últimos anos a minha vida de pastor tem sido abençoadamente agitada pelas aventuras dos brasileiros. Onde pés brasileiros pisam, a terra é feita de risco e de fé. Para um país tão sereno como o nosso gosta de achar que é, há muito que neles nos parece pura e simplesmente inconsciente, admitamos. Mas ainda bem que não temos de escolher virtudes de um país contra as de outro. No caso da Igreja da Lapa, por exemplo, há uma vida nova que de outra maneira não existiria. O Brasil em Portugal é um verbo que prefere conjugar-se no futuro.

Em 2019 escrevi uma canção chamada “Dois brasileiros apaixonados em Portugal” (podem encontrá-la na internet), a minha tentativa de “Livin’ On A Prayer” dos Bon Jovi. Na altura era para o Carlos e para a Jhessyka. De lá para cá, os meus casadoiros têm sido mais brasileiros do que portugueses. Uns e outros, ao casar, precisam da tal vida de oração: é meio caminho navegado para ficarmos juntos num país novo.

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