Em Portugal estamos habituados viver em democracia. Há quase 49 anos que vivemos sob este regime, e julgo que a maior parte de nós pensa que assim continuará a ser no futuro.
No entanto, vários dados preocupantes sobre o declínio geral da democracia dos países ocidentais, e também especificamente do português, têm surgido nos diversos relatórios que foram lançados ao longo dos últimos anos.
Se olharmos, por exemplo, para os dados do Institute for Democracy and Electoral Assistance (IDEA) percebemos o quanto a participação cívica e os índices de democracia direta são (cada vez mais) fracos, assim como a participação eleitoral, com a alta abstenção que todos conhecemos e a que, infelizmente, nos habituámos.
Para o Global Democracy Index, índice realizado pela revista The Economist sobre o estado das democracias, deixámos recentemente o estatuto de “full democracy” para passarmos a “flawed democracy”. Em 2021 este índice dava nota de que menos de metade da população mundial vive em democracia, o que, a meu ver, traz uma grande responsabilidade aos que têm a sorte de viver numa.
Com as notícias, que ultimamente se multiplicam como migalhas numa tábua de pão, sobre os casos de corrupção, obscuridade e promiscuidade dos governantes do país, desde os que estão no poder central aos autárquicos, a (já pouca) confiança que é depositada pelos cidadãos nas instituições democráticas apenas se vê diminuída e deteriorada.
As pessoas já têm pouca confiança e interesse nas instituições e as ações dos membros dessas instituições dão razão às pessoas. Assim, quanto mais as instituições democráticas são “chacinadas” por quem lá anda a desrespeitar os contribuintes, mais os contribuintes se desinteressam por elas. É um círculo vicioso. E precisa de ser invertido antes que seja tarde demais.
Costuma-se dizer que só damos valor quando não temos. Pois bem, a democracia parece ser um claro exemplo disso. Vemos como ela tem vindo a ser ameaçada, basta pensar na invasão ao Capitólio ou na muito recente invasão, por apoiantes de Bolsonaro, das sedes dos poderes executivo, legislativo e judicial do Brasil.
Tendo em conta os défices de literacia nos vários campos societais, como o económico, o político e o financeiro que temos no nosso país, não é de espantar a quase inexistência de manifestações e debates sobre este tema.
Todavia, esta é uma matéria que tem obrigatoriamente de entrar na ordem do dia. O povo não pode permitir que as suas instituições, que se querem livres e independentes, sejam capturadas e obliteradas por sanguessugas que agem, de forma inexorável, única e exclusivamente em prol do seu umbigo, exercendo o poder de forma absolutista.
Se em Portugal houve pessoas que morreram a lutar pela democracia, há neste momento vários países no mundo onde tal ainda acontece.
Olhemos para a Síria, por exemplo, onde em 2011 as pessoas se cansaram de uma ditadura devastadora com quase 50 anos, em que nem dentro da própria casa podiam expor livremente as sua opiniões. Empurrados pelos ventos da primavera árabe, os sírios saíram à rua exigindo liberdade, através de manifestações pacíficas onde os manifestantes traziam consigo flores nas suas mãos. Foram recebidos pelo regime com detenções, torturas e mortes (inclusive de crianças e mulheres cujos cadáveres eram enviados para os familiares).
Na sua luta pela democracia, e acima de tudo pela liberdade, as sírios perderam as suas casas, arrasadas pelos bombardeamentos, e as suas famílias, mortas de forma impiedosa, bárbara e cruel pelo regime opressor de Bashar al-Assad. Hoje, milhares de crianças sírias vivem e crescem refugiadas noutros países, muitas vezes órfãs de pais que perderam a vida na guerra. Outras, tiveram menos sorte, morreram à fome antes de conseguirem escapar.
A guerra do povo sírio dura há 12 anos e, centenas de milhares de mortos depois, continua a ter como objetivo único atingir aquilo que hoje nós, portugueses, já temos e damos letargicamente como garantido em Portugal.
Normalmente, quem dá as coisas por garantidas, sem as preservar com uma atitude proativa de sustentabilidade, tem surpresas desagradáveis. Não podemos deixar que isso aconteça em Portugal.
É imperativo e urgente que nos interessemos e eduquemos para que possamos cumprir o nosso papel enquanto cidadãos ativos de uma democracia, fiscalizando quem nos governa, contrariando os seus abusos, que sugam indevidamente os recursos que pertencem a todos nós, e exigindo transparência nos processos governativos.