Merkel está a chegar ao fim da sua liderança política na Alemanha. Foi a líder política europeia mais importante das duas últimas décadas, e a Europa deve-lhe muito, mas o seu tempo acabou. Acontece com todos os políticos. Mais de quinze anos como Chanceler desgasta muito, e Merkel está desgastada.

Será a primeira vez que a Alemanha terá um governo com três partidos. Desde 1949, foi sempre governada por coligações de dois partidos. A coligação que mais tempo governou foi a CDU com os Liberais (FDP): entre 1949 e 1966, depois entre 1982 e 1998 e, por fim, entre 2009 e 2013. A chamada grande coligação, entre a CDU e o SPD, governou entre 1966 e 1969 e depois, com Merkel, entre 2005 e 2009, e 2013 e 2021. A outra coligação entre a esquerda e a direita, o SPD e os Liberais, governou entre 1969 e 1982. Finalmente, a coligação de esquerda entre o SPD e os Verdes governou entre 1998 e 2005. Em 72 anos, a direita só não esteve no poder durante 7 anos (embora tenha estado como partido minoritário durante 13 anos). Dos 72 anos, as esquerdas não estiveram no governo durante 37 anos (cerca de metade da história alemã). Nas grandes coligações, a CDU foi sempre o parceiro maior, e o SPD o menor. Nunca houve um governo de um só partido. Mas também nunca houve um governo de três partidos. Será agora a primeira vez.

Os Verdes e os Liberais, os terceiro e quarto partidos, foram inteligentes. Partindo da posição privilegiada de juntos terem mais votos do que quer o SPD como a CDU isolados, foram os primeiros a negociar para contruir uma plataforma comum e assim aumentarem o seu poder negocial com o SPD (e eventualmente com a CDU). Mas o entendimento entre os Verdes e os Liberais, que ainda não está concluído, também será muito importante em relação à substância. Uma das grandes questões para o futuro da Alemanha será a articulação entre o crescimento económico e o combate às alterações climáticas. Esse equilíbrio terá que ser, em larga medida, definido pelo partido mais liberal em termos económicos (os Liberais) e pela força mais pró-ambiente, os Verdes. Aliás, esse equilíbrio entre economia e ambiente irá também marcar de uma forma decisiva a política da União Europeia nas próximas décadas.

Como partido mais votado nas eleições, o SPD será o primeiro a negociar com os Verdes e com os Liberais. Se depender do candidato do SPD a Chanceler, Olaf Scholz, o acordo de governo será fácil. Scholz é um centrista que se entende naturalmente com Verdes e com Liberais. O problema é o partido, muito mais à esquerda do que Scholz. Aliás, o próprio partido reconhece esse problema e escolheu Scholz e não um dos seus líderes (Saskia Esken e Norbert Walter-Borjans) como candidato as Chanceler. O SPD aceitou que na Alemanha só pode vencer as eleições com propostas de centro e não de esquerda. Depende essencialmente do SPD o entendimento com os Verdes e com os Liberais. A sua militância de esquerda terá que aceitar muitas das políticas económicas dos Liberais, e os seus sindicatos terão que aceitar muitas das políticas ambientais dos Verdes. Obviamente, os Verdes e os Liberais também aceitarão muitas das políticas sociais do SPD.

O SPD sabe que se não aceitar as condições dos Verdes e dos Liberais, estes podem negociar um acordo de coligação com a CDU. Embora sendo possível, não é provável, e se acontecesse seria mau para a democracia alemã. Os democratas cristãos foram os grandes derrotados das eleições, com o pior resultado da sua história. Nas democracias saudáveis, os derrotados devem ir para a oposição. A CDU é um partido gasto, e precisa de se renovar na oposição. O seu líder deveria reconhecer a derrota rapidamente e demitir-se. A CDU precisa de sair do governo, e só assim poderá voltar a crescer.

As eleições mostraram ainda os limites de crescimento dos partidos radicais. A extrema direita, o AfD, ficou nos 10% e passou de terceiro partido para quinto. A extrema esquerda, o De Linke, não chegou aos 5%. A maioria dos votos dos dois partidos veio dos territórios da antiga RDA, o que mostra que politicamente a Alemanha continua a ser um país dividido, trinta anos depois da reunificação, e após mais de 15 anos com uma Chanceler do Leste. Ironicamente, a líder, Merkel, que tanto fez para manter a União Europeia unida, não foi capaz de concluir a unificação das Alemanhas.

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