Com a prisão de Lula, o Brasil entrou numa fase política muito complicada. Numa última demonstração de poder, Lula resistiu 24 horas à ordem de prisão do juiz Sérgio Moro. Mostrou assim que ainda tem o poder para resistir à justiça e que é ele, e não os juízes, que escolhe o momento da sua entrega às autoridades. Apelou ainda, no seu último discurso de ontem à tarde, à luta do PT, dos sindicatos e do movimento dos sem-terra contra “a justiça, os ricos, os políticos e a Globo.“ O PT apelou à “ocupação de Curitiba e de Brasília.” Para manter o “mito do Lula”, é fundamental apresentá-lo como um preso político de um regime dos poderosos e não como um político preso por actos de corrupção.

Lula e o PT legitimaram assim o apelo à violência. Os próximos dias serão decisivos para saber se o país cairá na violência política. Um ponto é certo: o país está dividido e radicalizado. Muitos falam das sondagens que colocam Lula na frente, mas quase ninguém refere que a maioria dos brasileiros afirma que em caso algum votaria em Lula e que defende a prisão do antigo presidente. No meio desta radicalização, alguns generais do Exército brasileiro fizeram declarações preocupantes. O que fará o Exército se houver conflitos e violência nas ruas nos próximos dias?

A prisão de Lula e o quase certo afastamento das eleições presidenciais vão mudar a política brasileira. Podemos assistir a uma transformação profunda do sistema político do Brasil. A democracia brasileira que se seguiu à ditadura militar consagrou uma fórmula de três partidos dominantes, mas incapazes de alcançarem maiorias sozinhos. O PT tem sido o líder do bloco das esquerdas. O PSDB é o principal partido do centro direita. O PMDB (agora MDB) tem sido indispensável para se formar maiorias de governo. Esta formula resultou em duas presidências do PSDB, de Fernando Henrique Cardoso, em quatro do PT, duas de Lula e duas de Dilma (a segunda não chegou ao fim, como resultado do processo de impedimento, e foi substituída por Michel Temer do MDB), e na participação do PMDB em todas as coligações de governo, quer com o PSDB como com o PT.

As eleições de Outubro deste ano serão um teste à sobrevivência deste modelo politico. Sem Lula, o PT terá um péssimo resultado eleitoral e poderá até nem apresentar um candidato presidencial. Um dos cenários será o apoio do PT a Ciro Gomes, o candidato de esquerda com melhores sondagens. Não é claro que o PT sobreviva ao fim da vida política de Lula, mas é certo que haverá uma reformulação das esquerdas brasileiras.

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Os outros dois partidos centrais da democracia brasileira, o PSDB e o MDB, poderão concorrer coligados à eleição presidencial, para tentarem salvar o que resta do regime político. Fala-se na hipótese de uma “chapa” entre Geraldo Alckmin, do PSDB, para presidente, e de Henrique Meirelles (que se demitiu do governo na sexta feira e filiou-se no MDB) para vice-presidente. Seria também uma aliança entre São Paulo (PSDB e Alckmin) e o Norte e o Nordeste, onde o MDB é tradicionalmente mais forte do que o PSDB. Mas as sondagens estão longe de indicar uma vitória de Alckmin, e haverá mesmo dúvidas se terá os votos suficientes para passar à segunda volta. Alckmin já perdeu umas eleições presidenciais (contra Lula) e Meirelles é um dos principais rostos de um governo muito impopular.

Há assim condições para um populista ou um anti-político ser eleito presidente em Outubro. A eterna anti-política, Marina Silva, não terá grandes hipóteses. Depois de quatro eleições presidenciais, é difícil continuar a ser uma figura anti-sistema. Sem Lula, Bolsonaro lidera agora as sondagens. Bolsonaro é um populista de extrema-direita, defensor da ditadura militar, mas bastante popular. Tem beneficiado da revolta dos brasileiros contra a corrupção do sistema político e da insegurança nas cidades brasileiras. A prisão de Lula, mostrando que o estado de direito funciona, curiosamente, pode diminuir as suas hipóteses de ser eleito. Mas, se as actuais preferências eleitorais se mantiverem, Bolsonaro deverá passar à segunda volta.

O antigo juiz do Supremo Tribunal Federal, Joaquim Barbosa, poderá ser a surpresa das eleições. Filiou-se no PSB (o partido socialista brasileiro) um dos vários partidos de média dimensão, de centro esquerda, e aparentemente será candidato presidencial em Outubro. O seu nome ainda não aparece nas sondagens, por isso é impossível avaliar o seu capital eleitoral. Mas se conseguir um bom resultado, e sobretudo se ganhar, passará por ele e pelo PSB a refundação das esquerdas brasileiras. Não deixará de ser irónico que as esquerdas, que tanto atacam o poder dos juizes, possam acabar a votar num dos símbolos mais fortes desse poder judicial.

Quanto ao centro direita, Alckmin e Meirelles, irá tentar salvar o regime político que se seguiu à ditadura militar, cujos pais fundadores fora em grande medida duas suas principais referências políticas, Tancredo Neves e Henrique Cardoso. Enfrenta, porém, um grande desafio: a defesa do sistema político não é neste momento uma grande estratégia eleitoral. O regime de Henrique Cardoso e de Lula pode estar a chegar ao fim. A culpa é inteiramente do PT, do PSDB e do MDB. O mais grave, para os brasileiros, é que as alternativas poderão ser bem piores.