Nos anos 80, em Kinshasa, as pessoas andavam na rua com sacos cheios de maços de notas para pagar as compras do dia-a-dia. Nessa altura, em Buenos Aires, cada nova emissão de notas contava mais um zero à direita. A Europa também vivenciou estas situações em pleno século XX. Nos anos 60, em França, criou-se o “novo” Franco, que apagou dois zeros ao “velho” Franco, na Sérvia dos anos 90 chegou a estar em circulação uma nota com 11 zeros (sim, 11 zeros), e os Alemães ainda hoje estão traumatizados com a inflação dos anos 30.

Em Portugal, o último período de inflação prolongou-se entre os anos 70 e 90 e no seu pico chegou perto dos 30% ao ano. Em 1995, quem quisesse, e conseguisse, um empréstimo bancário para comprar casa pagava uma taxa de juro de cerca de 15% ao ano. E só quando fomos obrigados a seguir a disciplina monetária que nos levaria à adesão à moeda única, o Euro, é que conseguimos acabar com este flagelo. Foi nessa altura que percebi que a inflação não é uma maldição, mas, sim, a consequência de decisões políticas populistas ou de pura incompetência. Para uma Portuguesa que tenha chegado à idade adulta em 1974, a democracia e a inflação eram as duas faces da mesma moeda.

Entretanto mudámos de século, e em Portugal mudámos de maldição. A estagnação económica em que vivemos desde então, criou um ciclo vicioso insustentável, em que a aparente riqueza está assente em dívida, que se acumula cada vez mais e que, sem crescimento, se torna cada vez mais difícil de pagar. A estagnação económica não é um conceito etéreo, afeta cada Português que vive num país estagnado, praticamente desde que apareceram os telemóveis. E um país sem crescimento é um país sem oportunidades, onde é mais difícil construir uma vida familiar e uma carreira profissional e, por isso, continuamos a ter milhares de Portugueses a emigrar. Só em 2019, saíram do país 77 mil portugueses e, daqui para a frente, para muitos, para emigrar basta tele-emigrar.

Mesmo sem crescimento económico, o nosso Estado consome cada vez mais recursos. E nestas circunstâncias só tem duas formas de arrecadar mais dinheiro, aumentando os impostos ou pedindo mais dinheiro emprestado. E faz as duas coisas. Todos sabemos que a dívida pública, assim como a dívida agregada das empresas e de cada Português já é estratosférica. E com a dívida vêm os inevitáveis juros. Os números são impressionantes – os juros pagos em 2020 corresponderam a metade do orçamento da Educação de 2021. Neste ano, o orçamento para a dívida pública é quatro vezes superior ao orçamento da Saúde. Isto,apesar dos juros estarem em níveis historicamente baixos. E não podemos esquecer, que entre 1986 e 2019 terão entrado em Portugal fundos comunitários no montante aproximado de toda a despesa da Administração Central em 2021, incluindo a Saúde, Educação, Infraestruturas e tudo o resto. Ou seja, cerca de 140 mil milhões de euros.

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É como se tivéssemos um ciclista a percorrer a N2, de Chaves a Faro, e estivéssemos continuamente a carregar a sua bicicleta com mais pedras e ao mesmo tempo a dar-lhe doping para ele avançar mais depressa. Só pode acabar bem! Desde 2001, o máximo que conseguimos crescer foi 3,5% em 2017. Na viragem do século, a riqueza produzida em Portugal estava a meio da tabela daqueles que hoje são os países membros da União Europeia (UE) e, nessa altura, tínhamos atrás de nós 10 países do antigo bloco comunista. A maior parte destes países aderiram à UE por volta de 2005 e 14 anos depois, em 2019, cinco deles já nos tinham ultrapassado. Portugal só conseguiu ultrapassar a Grécia do Sr. Gianis Varoufakis, tão apreciado pela geringonça.

Mas então o que será que está na origem da maldição portuguesa do século XXI? A adesão ao Euro? Se nos afetou a nós, não afetou, seguramente, a Irlanda, que aderiu na mesma altura que nós. Nem a Finlândia e Holanda, que estão no Euro e continuam a crescer muito mais do que Portugal. E até a Eslovénia e a Estónia, que aderiram muito depois de nós e já nos ultrapassaram; terá sido a nossa posição periférica na Europa?  Não, basta lembrar-nos da geografia da Irlanda, da Estónia e da Lituânia; terão sido os nossos 41 anos de ditadura, até 1974? Não, basta lembrar-nos dos cinco países que sofreram ditaduras comunistas, igualmente longas e que depois de aderirem à UE também já nos ultrapassaram. Voltando à analogia com o nosso ciclista, que continua a “descer” a N2, é como se, na mesma altura em que ele chega a Viseu, outro grupo de ciclistas principiantes, ou com velhas bicicletas saem de Chaves. E ele é ultrapassado por metade deles a meio do Alentejo.

Mas, então, porque é que continuamos a ficar para trás? As escolhas políticas que têm moldado o nosso modelo de desenvolvimento nestes 20 anos têm, seguramente, responsabilidade. Desde 2000, tivemos cerca de 13 anos de governação liderada pelo PS, nos últimos anos em geringonça com a extrema-esquerda, os restantes liderados pelo PSD. E o que temos hoje?  Um país em que a classe média e as empresas estão cada vez mais esmagadas por impostos, ao mesmo tempo que uma parte crescente da população prefere simplesmente depender do Estado em troca de obediência política. Um sistema legal confuso, com leis mal feitas, donde resulta insegurança jurídica. Um sistema judicial disfuncional e incapaz de julgar os grandes casos de corrupção que nos abalam há 10 anos. Uma função pública onde não há vontade política de promover o mérito e as boas práticas de gestão, mas sim de a encher de apparatchiks políticos. Donde resulta mais incompetência, ineficácia e incapacidade em atingir níveis de produtividade e transparência decentes. Temos um país em que a independência e o sucesso individual são vistos com desconfiança pelo poder político. Temos um Estado que prefere atender aos interesses dos sindicatos do que ao bem-estar dos cidadãos e contribuintes, que domina, direta ou indiretamente, uma sociedade civil fraca e que transformou os orçamentos de Estado numa farsa. Um Estado que falhou miseravelmente em dar uma resposta competente às grandes crises deste século. Há 10 anos, a sua incompetência levou o país à bancarrota e à intervenção externa. Neste ano, tem sido um desastre na gestão da pandemia.

A narrativa que sustenta as escolhas políticas que nos conduziram à estagnação é a imperiosa necessidade de coesão social e proteção dos mais fracos e pobres. Todos estamos de acordo, que a coesão social é um aspeto central de uma sociedade civilizada. O problema é que as escolhas políticas feitas durante uma boa parte destes 20 anos não são, de todo, as mais adequadas para atingir estes objetivos. Senão, vejamos dois indicadores: o Índice de Desenvolvimento Humano (IDH), um indicador composto que mede o nível de educação, a longevidade e a riqueza per capita, e o coeficiente de Gini, que mede a desigualdade social, e vamos comparar Portugal com os países referidos em cima. No que diz respeito ao IDH, Portugal era, em 2019, o 38º a nível mundial, ficando bem atrás da Irlanda, em  2º, da Holanda, em 8º, da Finlândia, em 11º, da Eslovénia, em 22º, da Estónia, em 29º, e da Lituânia, no 34º lugar. No que diz respeito ao IDH, todos estes países estão à frente de Portugal. Quanto ao coeficiente de Gini, Portugal é mais desigual do que a Irlanda, Estónia, Lituânia, Eslovénia e, mesmo, pasme-se, que as frugais Holanda e Finlândia.

Tal como se dominou a maldição da inflação, também é possível dominar a maldição da estagnação. Em ambos os casos, a solução passa por adotar as opções políticas que realmente contribuem para aumentar a coesão social, mas também a produtividade, competitividade e riqueza do país, assim como a sustentabilidade das contas públicas. Se as políticas que seguimos desde o início do século nos estão a levar à decadência económica, hipotecam o futuro das próximas gerações com dívidas e não servem nem para diminuir as desigualdades sociais, nem para nos permitir atingir um nível de desenvolvimento humano decente, servem para quê? Talvez a pergunta certa a fazer seja, servem a quem? Está na hora de permitir que qualquer Português nascido no ano 2000 possa viver e trabalhar num país vibrante do ponto de vista económico, com igualdade de oportunidades, numa sociedade justa e coesa e, já agora, sem ser esmagado por impostos.

Está na hora de dar à estagnação o mesmo destino que demos à inflação, o caixote de lixo da história. Está na hora de retirar as pedras que carregam o nosso ciclista e deixá-lo pedalar liberalmente. É a única hipótese que ele tem de estar entre os primeiros a chegar a Faro. Devia ser hoje, mas vai ser p’ra amanhã!