Como é que um povo cansado de mentiras, desanimado, descrente da política, dos políticos e das instituições, poderá ainda confiar e ir votar?
As eleições são uma regra de ouro das sociedades democráticas mas podem também converter-se em momento algo patético se os políticos – os políticos que temos! – forem incapazes de encontrar respostas para além de vetustos e repetitivos programas eleitorais, cumulando a opacidade, o conflito gratuito, o ambiente de corrupção, de cedência a dinheiro, troca de favores, tráfico de influências, etc., que corroem toda e qualquer organização política.
“Crise”, talvez a palavra mais usada e abusada nos dias de hoje, tende a tornar-se a modalidade mais regular da vida política portuguesa. A disseminação da desconfiança nos políticos e na capacidade de auto-regulação e inovação da própria política conduziu à desconfiança generalizada na democracia como ideal ético-político, como promessa de justiça. Nos dias de hoje tudo parece resumir-se ao manuseamento hábil da lei, dissimulando na criação efectiva da igualdade de oportunidades.
Sendo fácil diabolizar a política, fácil se torna ser populista. O populismo monopoliza o descontentamento popular. Todos os políticos são corruptos e predadores (excepto eles). Se não se responder às deficiências que os populistas apontam, fácil será também prever o crescimento do populismo. O populista aprecia as lideranças com ligação directa às paixões da alma.
Nada é pior do que pensar mal e crer que se está certo. Se há momentos em que é necessário haver comportamentos de excepção, aquele que agora vivemos é sem dúvida um deles. Pressente-se estarmos num beco sem saída, como que sem alternativas a um apocalipse pré-anunciado.
Em linguagem de cariz religioso (o momento justifica-o), precisamos de “mártires”, e não de “vítimas”, de políticos que sejam capazes de resistir e cumprir compromissos e não de experientes conspiradores. É conspirador quem se desculpabiliza criando inimigos (ideias, grupos, personalidades), quem utiliza os outros como bode expiatório dos seus interesses.
Outrora “festa da democracia”, as eleições poderão transformar-se em momento privilegiado de frustração democrática, acentuando mais o negativo do que o positivo, a indiferença e o medo do que a esperança. Não bastará dizer que 51 é maior do que 49: prova-se que um governo pode definhar e declinar, pese embora ser suportado por uma maioria robusta. É verdade que essa tarefa fundadora deva ser renovada a intervalos regulares. Mas é necessário que os nossos políticos sejam capazes de oferecer respostas fundadas para as opções em confronto. As questões de gestão no acesso ao poder não podem superar em importância as de programa. Caso contrário, estaremos perante uma mera “reapropriação do poder”, importando pouco quem vença ou quem perca, a não ser para os respectivos militantes ou empregados do partido.
Um acto fundador é sempre um acto restaurador. O mesmo ocorrerá com o nosso próximo cenário eleitoral. Não será de mais lembrar que a democracia nasceu justamente como forma de protesto, constituindo-se, desde as origens, como sendo o regime que mais se afasta da inércia do poder e das forças centrípetas inerentes aos interesses identitários, individuais, grupais. Idealmente um governo deveria ser discreto ao ponto de se fazer esquecer. Neste mundo, contudo, dominado pelo “eu acho”, cheio de spin doctors, em que tudo, ou quase tudo, se faz em função da visibilidade, na televisão ou para a televisão, vai crescendo, sem medida, a sensação de manipulação disfarçada.
Um filósofo aconselharia a transitar verdadeiramente para o conhecimento, elevando a política a outro nível ou instância. Sendo promessa de vida em comum, a política não pode transformar as suas promessas em mentiras e perverter, desta maneira, a sua natureza. Serão os nossos políticos capazes desse poder mobilizador e converter a insatisfação presente em confiança e esperança?