Quais as grandes questões para o futuro da UE? O que está em jogo nas eleições europeias de 6 a 9 de junho? Quais as respostas dos principais partidos às grandes questões? Primeiro, recorremos a alguns dos principais estudos e relatórios sobre o futuro da Europa, e que fazem um diagnóstico e procuram avançar soluções para os grandes problemas atuais. Segundo, dado a limitada informação dos debates nacionais, fomos procurar informação e assistir aos debates entre os líderes dos Grupos Parlamentares. Em especial recomendamos os disponíveis no site da Bruegel e patrocinados por esta instituição de investigação de assuntos europeus e pelo Financial Times (disponíveis aqui, aqui e aqui).
Destas investigações identificamos três grandes tipos de problemas: (i) Como é que a UE pode acelerar o crescimento económico e reforçar a sua produtividade/competitividade? (ii) Como a UE pode reforçar a segurança económica e deve conduzir a sua política externa? E, (iii) O Problema dos Recursos a nível europeu: quais são as grandes prioridades para o uso dos recursos próprios e de transferências intra-comunitárias?
Todos os grandes partidos políticos a nível nacional estão afiliados em Grupos Parlamentares no Parlamento Europeu, pelo que são as políticas destes Grupos que em grande parte definem as posições do Parlamento. Recordemos, para nos situarmos na discussão, quais são estes grandes Grupos: EPP= European People´s Party: centro-direita (inclui PSD); S&D=Socialists and Democrats: centro-esquerda (inclui PS); ID=Identity and Democracy: direita nacionalista (RN (Le Pen – França); PVV (Wilders- Netherlands) e Chega); RE=Renew Europe: liberal (inclui fDP alemão e Renaissance francês (Macron)); ECR=European Conservatives and Reformists: direita (inclui Brothers for Italy (Meloni), Civic Democratic Party (Czech) , Vox (Espanha) e PiS (Polónia)); Left: extrema esquerda (inclui BE e PCP); e Greens (Verdes). No artigo complementar que escrevemos (As Eleições Europeias: Que Governação para a UE (2024-2029)?) faz-se uma análise das tendências de votos nestas eleições e analisam-se algumas causas e consequências destes resultados. Neste artigo vamos designar o EPP por Partido Popular ou apenas Popular, S&D por Partido Socialista, RE por Partido Liberal e ID por Partido Direita Nacionalista.
1 Crescimento e Competitividade da UE
Recentemente têm sido elaborados, por encomenda das Instituições Europeias, importantes trabalhos nesta área, cuja leitura recomendamos vivamente: Pinkus, Pisani-Ferry, Tagliapietri, Veugelers, Zachmann e Zettelmeyer. Coordination for EU Competitivness, 2024 (IPOL_STU(2024)747838_EN.pdf (europa.eu)) e o Relatório Letta, de Enrico Letta, antigo primeiro-ministro italiano, Much More Than a Market: Speed, Security, Solidarity, 2024 (much-more-than-a-market-report-by-enrico-letta.pdf (europa.eu), que deverá ser seguido pelo Relatório Draghi, depois das eleições, sobre o Mercado único e a Competitividade da UE, e as principais estratégias para acelerar o crescimento e reforçar a segurança económica.
Os grupos de extrema-direita e liberais têm apontado como falhanço das políticas da UE o baixo crescimento económico nos últimos anos e na última década. Um dos números mais citados é que os EUA cresceram a uma taxa média anual do PIB de 1,87% entre 2000 e 2024, enquanto a UE apenas cresceu 1,36%. Depois de 24 anos esta diferença traduziu-se numa expansão do PIB de 56% para os EUA e de apenas 38% para a UE: uma diferença de 18 pontos percentuais, que nos debates é majorado para 20%!
Vejamos alguns indicadores sobre esta questão da maior importância, que merece algum detalhe em Pinkus et all.. A Figura 1 mostra a evolução da convergência, em termos do PIB per capita, em Paridades de Poder de Compra para a UE, China e grupos de países da UE, entre 1990 e 2023.
Figura 1: Níveis de convergência para os EUA=100
Desde já o que observamos é que a UE ainda mantém um gap de cerca de 26 pontos percentuais abaixo dos EUA. Mesmo assim, nota-se uma redução deste gap em 14 pontos percentuais entre 2005 e 2023. Esta redução deve-se, em primeiro lugar, à forte convergência dos países do Leste, que passaram de uma taxa de apenas 30% do PIB per capita dos EUA em 1995 para 62% em 2023. Em contraste com o muito badalado milagre chinês, este progresso na convergência é ainda maior do que a China! Veja-se como a inclinação da curva da UE-Leste é superior ao da China.
O outro fator é a convergência da UE-NorOeste, que engloba os países mais desenvolvidos da União e alguns dos maiores, que progrediu de 80% em 2008 para 91% em 2023, que terá sido devido em parte à forte crise financeira que abalou o mundo e, em particular, os EUA.
A UE-Sul registou uma acentuada quebra na convergência com a crise global e do Euro, e ainda não recuperou, mantendo um gap de 35 pontos percentuais em relação aos EUA. Para este resultado não só contribuíram Portugal e Grécia, como a má performance da Itália e Espanha desde 2011.
Finalmente, é importante também registar a forte convergência da China que hoje tem um PIB per capita de 25% dos EUA.
O PIB cresce mais nos EUA do que na UE, mas porque a população cresce mais no primeiro que na UE, o PIB per capita nesta tem crescido mais que no primeiro. Mas mergulhemos mais a fundo, e vamos analisar o que se passa com a produtividade.
A Figura 2 mostra a taxa de crescimento médio anual da Produtividade Total dos fatores, que resulta de subtrair ao crescimento do PIB o crescimento do capital e trabalho utilizados.
Figura 2: Taxa de crescimento anual da Produtividade Total dos Fatores (2001-2019)
Figura 3: Crescimento acumulado da Produtividade Total dos Fatores (2001-2019)
A primeira observação é que a Produtividade cresceu nos EUA sempre mais do que na UE, em todos os períodos analisados. Segundo é que a Produtividade cresceu de forma espetacular na China em 2001-2007 e está a cair entre 2013 e 2019! Que deveria ser preocupante para os dirigentes chineses. Terceiro, a crise financeira global teve um forte efeito negativo em todas as economias. Finalmente, a Índia é que registou no último período uma forte aceleração na Produtividade.
A Figura 3 mostra o crescimento acumulado da Produtividade e do capital. A Roménia e os Bálticos tiveram os mais fortes crescimentos, enquanto a UE-Sul, incluindo Portugal, não só tiveram uma fraca acumulação de capital como uma evolução negativa da Produtividade!
A principal explicação do menor crescimento da Produtividade na UE em relação aos EUA é explicada pelo menor investimento em Informação e Tecnologia (digital) na economia, e na menor adoção do digital na economia, na menor despesa em I%D pelo setor privado, devido à falat de grandes empresas, e o ritmo mais baixo de progresso tecnológico (Figura 4, onde se destaca o forte crescimento da China, que hoje tem o maior volume), sobretudo em setores de fronteira tecnológica.
Figura 4: Número de patentes registadas
Pinkus et al.: propõem duas políticas para a competitividade: (i) redução do custo da energia através da diversificação das fontes, renováveis e integração dos mercados; (ii) reforçar os recursos (e maior eficiência na sua utilização) para I&D em setores avançados, criando uma ARPA na UE (Advanced Research Projects Agency).
O Relatório Letta aponta o aprofundamento do Mercado Único como a principal política. Primeiro, estender o Mercado Único ao setor financeiro, energia e comunicações eletrónicas. A necessidade de harmonizar as regras de criação e funcionamento de empresas a nível da UE, e sem adição de camadas legislativas nacionais. Criação de um mercado de capitais único e reforma do sistema de ajudas estatais de forma a apoiar a transição digital e climática (economia circular). Também considera outros aspetos políticos e sociais.
E o que propõe os Grupos para acelerar o crescimento da Produtividade/Competitividade?
O Partido Popular publicou em fevereiro de 2024 a Modernization Agenda, em que avança as principais propostas, mas que são mais objetivos latos do que propostas de política. De uma forma mais concreta, vários documentos defendem a necessidade de fazer uma revisão profunda da estratégia de crescimento. O Green Deal, foi a estratégia de crescimento até 2030 que a anterior Comissão deixou, mas este é uma estratégia de redução das emissões de carbono, o que é extremamente redutor. O Partido Popular propõe a sua revisão e integração com uma estratégia digital e industrial, com igual importância, com estratégias concretas para os ecossistemas industriais (O Annual Single Market Report de 2011 da Comissão especifica 14 ecossistemas, que nos parecem algo arbitrários). O Popular pretende um melhor acesso aos capitais pelas empresas, redução dos custos energéticos pela introdução de renováveis, melhores qualificações para a mão-de-obra, um empurrão para as tecnologias estratégicas e aprofundamento do mercado único.
O Partido Socialista dá mais ênfase a aspectos sociais como educação, saúde e distribuição do rendimento. Mas também defende uma nova política industrial, mais projetos comuns a nível da UE.
O Partido Liberal também propugna um aprofundamento dos mercados de capitais e mais investimentos inter-fronteiriços.
Uma das iniciativas consideradas de grande importância por todos estes partidos é a Strategic Technologies for Europe Platform (STEP), que pretende incentivar o investimento e financiar I&D em setores como o digital e de mais inovação, tecnologias limpas e de utilização mais eficiente de recursos, e biotecnologias.
A Direita Nacionalista propugna por menos burocracia, menos regulação a nível europeu, e critica também a política de concorrência. Os outros partidos contra-argumentam que menos regulação a nível comunitário implica a sua substituição por 27 regimes regulatórios nacionais, o que é ainda mais regulação e barreiras ao funcionamento das empresas.
2 Segurança Económica e Política Externa: a questão da China
Este tema refere-se às Políticas de Segurança Económica e Militar, como a Independência e sustentabilidade energética, o controle do risco e diversificação das cadeias de valor dentro da UE, e a política de segurança e defesa militar. No que respeita às Políticas Externas, quais as mudanças a introduzir nas políticas atuais resultantes da conjugação dos objetivos económicos de comércio livre e der segurança, perante os novos desafios geo-políticos (Russia e China) e as Políticas de Imigração.
O Partido Popular e Socialista propõe uma revisão das políticas da concorrência de forma a criar grandes empresas globais. O problema é que não é a política de concorrência que é um obstáculo ao aparecimento de grandes empresas, como não é o caso das americanas, mas são as barreiras à entrada como a fragmentação de mercados e baixos níveis de capital de risco e falta de profundidade do mercado de capitais. Para se crescer no mercado global, as empresas têm que primeiro crescer no mercado comunitário, por ter uma tecnologia mais eficiente e em resposta a uma necessidade não preenchida.
O Partido Popular propõe políticas energéticas de acesso estável a energia a baixos custos, acesso a materiais básicos, estabilidade nas cadeias de fornecimento. Uma das líderes, von der Leyen, acentua a importância de alguns processos em curso de anti-dumping contra a China, nomeadamente sobre os subsídios à produção de carros elétricos e de material médico na China. Quanto à política externa rejeita a visão americana de tarifas gerais sobre importações chinesas, a favor de políticas mais orientadas (redução do risco).
O Partido Liberal pretende a criação de um fundo comunitário para a Indústria da Defesa (Plano dos 100 Mil Milhões), a reserva dos concursos públicos a empresas da UE. E a utilização de todos os instrumentos da Organização Internacional do Comércio (WTO) para promover um comércio justo com a China.
O Partido Socialista pretende evitar guerras comerciais, assegurar o acesso a matérias-primas estratégicas, energia e produtos farmacêuticos.
Tanto o Partido Popular como o Socialista são a favor da imigração para os fins acima indicados. Também são a favor do controle de imigração e proteger os pedidos de asilo.
Todos estes partidos propugnam uma nova política industrial, de re-industrialização e de redução do risco nas cadeias de produção. A apresentação de Bretton na Bruegel disponível aqui(SPEECH_23_4369_EN.pdf (europa.eu)) é importante.
A Direita Nacionalista defende a expulsão da empresa Tik-tok devido à sua ligação com o Estado chinês, maior proteção aos direitos e propriedade intelectual da UE por motivos de segurança e proteção das nossas indústrias. Em relação à transição energética defende a importância da energia nuclear. Sobre as políticas comerciais externas defende medidas de represália contra a China no caso dos painéis solares e da indústria automóvel, por causa dos veículos elétricos. E propõe o alinhamento com os EUA da política externa da UE.
3 Orçamento da UE e Estratégias: Prioridades nas Políticas Comunitárias
Quais são as áreas prioritárias para o orçamento na próxima Comissão: defesa, transporte, coesão? E quais as formas de financiar estas prioridades? Deve o orçamento comunitário ser expandido ou não? Qual a forma de financiar projetos comuns: via endividamento comunitário como no Next Generation? Ou por aumento de impostos sobre externalidades positivas ou negativas a nível comunitário? Ou por aumento das tarifas externas?
O Partido Popular, na opinião de von Lyen é da opinião que hoje existe uma multiplicidade e complexidade exagerada de Programas. Deve haver uma limpeza de forma a simplificar e tornar mais orientados para missões específicas, evitando vários programas orientados para a mesma missão ou objetivo. Um dos programas novos que propõe, no domínio militar, é o Air Defense Shield.
O Partido Liberal é a favor de um acréscimo do financiamento comum para projetos comunitários. Também é a favor da ligação entre financiamento e respeito pelo Estado de Direito. É a favor de programas como a Política Agrícola Comum (PAC) e de Desenvolvimento Regional e Coesão. Também dá prioridade à defesa e segurança como à transição verde. Quanto ao uege NextGeneration acha que foi enviezado para as prioridades nacionais.
O Partido Socialista não rejeita a possibilidade de o orçamento comunitário se expander para os 2% do PIB comunitário, como a Bruegel propôs recentemente. Deve haver mais projetos e programas comunitários, como na defesa e segurança. O problema principal é a capacidade de investir. Necessitamos de mais recursos próprios e mais estáveis. Também propõe maior investimentos em habitação , green deal, infraestruturas públicas, e saúde.
A Direita Nacionalista é a favor do desmantelamento das instituições comunitárias: “cooperação em vez de integração”. O seu líder propõe cortar metade do pessoal da Comissão e de programas como a PAC e o Fundo Regional. Afirmam que existe um enorme desperdício de recursos nestes programas, dando exemplos da Grécia (metro de Tessalonica) ou do programa de transportes em Espanha e Portugal. Afirma que “vivemos acima dos nossos meios”.
4 Conclusões
Não há dúvida que a agressão da Rússia à Ucrânia, e as ameaças militares da Rússia e económicas da China à Europa alteraram radicalmente o contexto geopolítico da UE. As respostas a estas ameaças exigem uma nova política industrial, de comércio externo, de propriedade industrial e de segurança e defesa. No nosso entender, quase todos os grandes Grupos Parlamentares têm consciência disso, mas ainda falta uma formulação clara das prioridades e dos programas, bem assim como das reformas de políticas necessárias.
Também estas mesmas ameaças, e a necessidade de aumentar a produtividade e eficiência da UE colocam um trade-off em termos de transição energética. Ainda não se quantificaram nem os custos dessa transição, que são enormes, e que a anterior Comissão, que a liderança de Timmermans e a coligação na Alemanha em torno de Angela Merkel, foi sistematicamente minorando. Existe, hoje, uma maior consciência destes trade-offs, mas falta convertê-los em propostas e programas concretos, a bem do futuro da UE.