À hora a que começo a escrever (17h em França), a taxa de participação na segunda-volta da eleição presidencial está 5 pontos abaixo da primeira-volta, provavelmente devido à abstenção dos auto-proclamados «insubmissos». Sendo a única hipótese de eleição da extremista de direita Marine Le Pen uma abstenção maciça por parte dos anti-europeístas do género dos nossos, encabeçados até à véspera da votação por Francisco Louçã com uma atitude inadmissível, é possível no entanto apostar que Emmanuel Macron será Presidente da República Francesa antes do fim do dia. Em boa hora!

E porquê? Por múltiplas razões. Se o candidato conservador François Fillon não tivesse sido objecto de denúncias prováveis, mas demasiado oportunas para não serem politicamente suspeitas, seria ele, seguramente, o presidente eleito à segunda-volta com o apoio obrigatório de Macron e da esquerda democrática, infligindo porventura até uma derrota maior a Le Pen, em nome, entre muitos outros motivos, do europeísmo e da permanência da França na UE e no «euro». Com a ausência de Fillon, cujo partido não quis acreditar nas sondagens, as possibilidades de eleição de um candidato externo ao sistema partidário como Macron tornaram-se muito maiores, evitando-se assim instalar na presidência uma réplica do conservadorismo estatal francês que teria absorvido parte dos apoiantes do Front National.

Com Macron abre-se uma perspectiva diferente, simultaneamente mais atenta ao social e menos estatista; mais avançada e liberal. Para lá chegar, Macron não esteve parado. Depois de se ter afastado do governo errático de Hollande no fim de Agosto passado «para se dedicar totalmente ao seu movimento político, «Em Marcha», criado desde Abril, Macron obteve não só apoios na alta esfera do PS francês como mobilizou mais de 250.000 aderentes para o «movimento» com vista à sua candidatura à presidência da República.

Quanto ao dinheiro que uma campanha presidencial pode custar, um jornalista associado ao PCP português não fez outra coisa se não denunciar, no «prime time» da nossa SIC, o capitalismo internacional que estaria a investir no candidato, bem como os órgãos de comunicação social que teriam apoiado a sua candidatura desde a primeira hora. Quanto às sondagens favoráveis, mais não seriam do que pura propaganda do expectável imperialismo euro-americano…

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A convergência entre a extrema-esquerda e a extrema-direita é, como se vê, permanente. Macron não se localiza tanto ao «centro», conforme pretendem situá-lo, como está sobretudo contra os soberanismos de direita e de esquerda. Ele é, na presente conjuntura, o anti-Brexit, esse sim, a epítome do reaccionarismo. Imagine-se Portugal sózinho e abandonado à sua sorte perante a convergência entre os soberanistas de direita com os do PCP e do BE, passando pelos que formigam no PS, juntos com os da comunicação social, como se viu durante esta campanha!

Seja como fôr, não foi por mero acaso nem sem consideráveis esforços humanos e financeiros que Macron chegou onde chegou. Isso mostra que a sua eleição é a sério. É certo que parece jovem, inexperiente e pouco habituado à confrontação eleitoral, mas o facto é que ele é… jovem! E isso apelará sem dúvida a uma parte importante da sua geração! Entretanto, Macron e a sua equipa já mostraram ao que vêm, adiantando um elenco de primeiras medidas de ordem fiscal e laboral com vista a flexibilizar o investimento e o emprego, bem como o reforço da UE através da consolidação do «euro», ao propor que lhe sejam atribuídos orçamento e ministro próprios. Por último, depois do Brexit e de Trump, já ninguém na política de hoje ignora os grupos sociais lesados por uma globalização imparável que vai muito além da economia!

Antes de lá chegarmos, porém, Macron e o movimento «Em Marcha» terão de conquistar uma maioria absoluta no parlamento a eleger daqui a um mês ou, pelo menos, uma base parlamentar suficientemente ampla e coesa para fazer alianças à direita e/ou à esquerda, conforme as alianças ou aquilo que estiver em causa. Ora, a primeira sondagem feita acerca das intenções de voto nas duas voltas das eleições legislativas de Junho próximo dá, neste momento, o movimento de Macron como vencedor e próximo dessa maioria absoluta (289 deputados em 577).

Haverá novas sondagens em função da eleição de hoje mas desde já se verifica a tendência das eleições legislativas da 5.ª República francesa, criada por De Gaulle em 1958, para favorecerem o partido do presidente eleito. De tal modo que, se o novo presidente e o seu movimento souberem cavalgar a onda da vitória de hoje, a previsão de deputados a eleger pelos adversários do movimento «Em Marcha» é que a direita republicana fique apenas com 200 a 210 deputados, enquanto os outros partidos serão reduzidos pelo sistema não-proporcional a uma expressão muito baixa: os socialistas teriam 28 a 43 deputados, a Frente Le Penista 15 a 25 e a esquerda radical uns 6 a 8. É bem possível, pois, que as coisas não fiquem na mesma com a eleição de Emmanuel Macron. E não há de ser para pior. Para já, Le Pen sofreu uma derrota enorme e Macron legitimou-se plenamente com 65% dos votos!