Parece ser consensual que a prática desportiva, ou a mera realização de atividade física, é benéfico para a saúde dos indivíduos e para o seu desenvolvimento pessoal, na medida em que a prática desportiva implica um conjunto de valores e referenciais de convivência social.
Todos os governos, de uma forma ou de outra, têm procurado implementar um conjunto de políticas dirigidas ao desporto, sendo que, na última década assistimos a uma abordagem conjunta de políticas para a juventude e para o deporto, designadamente através das atribuições dadas ao Instituto Português para a Juventude e Deporto.
Porém, a questão do desporto não é prerrogativa exclusiva da juventude. Muito pelo contrário, ela é transversal a toda a sociedade, sendo hoje imperativo abordá-la enquanto setor comum a diferentes áreas da governação. Não é por acaso que o atual Secretário de Estado do Desporto afirmou em maio deste ano que no plano do governo para esta área “dos 17 Ministros, 14 estarão ligados; dos 41 Secretários de Estado, estarão 35”.
O próprio primeiro-ministro afirmou a 10 de maio que “É nossa pretensão colocar o desporto num patamar diferente do que aquele que teve”, dado que o desporto “merece ter uma política mais ativa e um destaque nas políticas públicas”.
Parece, portanto, estarem criadas as condições para o desporto continuar emaranhado nas teias da complexidade das políticas públicas em Portugal. Senão, vejamos as propostas do plano do governo:
4 objetivos nacionais, entre os quais: aumentar a prática desportiva da população; diminuir a diferença na prática desportiva entre homens e mulheres; aproximar o investimento direto no desporto e os indicadores de prática desportiva da média dos países da União Europeia; diminuir o nível de obesidade infantil e excesso de peso.
14 compromissos, a maior parte deles virado mais para a gestão da atividade desportiva e respetivo quadro legal do que para o aumento do acesso à prática desportiva pelas pessoas.
A abordagem multissetorial do desporto e da atividade física já vinha do governo anterior, nomeadamente através do Programa Nacional para a Promoção da Atividade Física, promovido pela Direção Geral da Saúde, ou o desporto escolar, na alçada da Direção Geral da Educação.
Qualquer um destes organismos é prolífico na produção de relatórios e documentos técnicos, bem como na elaboração de medidas cujo impacto fica muitas vezes sem a adequada avaliação (além daquela que os promotores definem a priori).
Como em qualquer problema social, que envolve a mobilização de agentes e organismos da comunidade, a solução para o deficit da prática desportiva é complexa, pelo que o envolvimento de todas as pessoas interessadas implica que sejam formuladas questões por todos entendidas e para cujas respostas todos possam contribuir.
Algumas questões que podemos colocar:
Que tempo temos no nosso dia-a-dia para a prática desportiva?
Que condições materiais existem (infraestruturas, recursos)?
Que esforço (financeiro, de tempo) cada indivíduo tem de fazer para realizar algum tipo de desporto?
Que impacto tem a prática desportiva nas dinâmicas familiares?
É importante olhar para a forma como o cidadão comum tem a sua vida organizada e, partindo daí, procurar entender quais os estímulos que devem ser colocados em marcha para que a prática desportiva seja vista como uma mais-valia, para a qual existe motivação intrínseca e extrínseca, e não como algo que representa um esforço acrescido e por isso evitável.
Portugal continua a apresentar no conjunto de países da União Europeia maus resultados em termos de mortes atribuíveis à obesidade, prevalência de hipertensão e mortes associáveis à pouca prática de atividade física. Segundo Pedro Teixeira, antigo diretor do Programa Nacional para a Promoção da Atividade Física da DGS, “O exercício serve para prevenir ou tratar 25 doenças diferentes”.
Acresce a essa realidade, o facto de ser um dos países da União Europeia onde as pessoas trabalham mais horas por ano e onde as crianças passam mais tempo na escola.
Como é que num contexto deste as pessoas (crianças, jovens, adultos e idosos) podem realizar mais desporto? Independentemente das múltiplas respostas que cada um possa dar, certamente elas apontarão para medidas que transcendem os ciclos políticos nacionais e respetivos quadros de apoio das medidas decididas em cada um.
Parece-nos, todavia, evidente que:
As pessoas precisam de ter tempo para realizarem desporto.
Representaria uma maximização do tempo se os pais tivessem oportunidade para realizarem desporto quando acompanham os seus filhos às respetivas atividades desportivas.
O desporto nas escolas precisa de ser encarado com a mesma preocupação e exigência que as ciências. A escola está maioritariamente virada para o intelecto e descura a parte física das crianças, como se uma e outra fossem dissociáveis.
As pessoas precisam de ter recursos financeiros disponíveis para suportarem os custos inerentes à realização de atividades desportivas.
Os custos inerentes à disponibilização de atividade desportiva por parte dos prestadores de serviço têm de ser suportáveis para estes, de forma a que os preços praticados sejam suportáveis para as famílias.
Existe a necessidade de uma cultura de desporto na sociedade, o que implica a sua valorização social pelos mais diversos agentes sociais e políticos, bem como tornar possível às pessoas obterem rendimentos apenas dedicando-se ao desporto, sem que para tal sejam desportistas de calibre internacional.
Importa garantir que a gestão desportiva é feita ao nível das comunidades, assumindo as autarquias um papel-chave neste processo.
O primeiro desígnio no que respeita ao desporto, em termos de políticas públicas, deveria ser analisar como garantir condições de acesso ao mesmo por parte de pessoas, para depois debruçarmo-nos sobre a gestão da atividade desportiva. Seguidamente, avaliar como ativar a articulação de todas as partes interessadas. Porque não basta legislar e esperar que aconteça. Não basta querer.
E já agora, refletir sobre a o investimento financeiro direto e indireto que fazemos, enquanto sociedade, em algumas modalidades em detrimento de outras. Talvez esse investimento esteja a ter retorno para as carteiras de alguns agentes do sector, mas certamente não estará a ter para a sociedade como um todo.