A palavra empresa (do latim *imprehensa, “empreendida”, pelo italiano impresa, “empresa”) significa «tarefa ou empreendimento de execução difícil e/ou laboriosa; realização; empreendimento; projecto». Em economia, é «organização individual ou colectiva, pública ou privada, que visa a obtenção de lucros através da produção de bens ou serviços; firma».1
A abordagem que faremos neste artigo tem como base a perspetiva da Gestão, ou seja da otimização de recursos escassos, em organizações com finalidades económicas, que produzem valor acrescentado.
Uma “história”
Em 1998 no âmbito da minha atividade como consultor de gestão, participei num projeto de transformação da gestão, na EPUL-Empresa Pública de Urbanização de Lisboa. Tal projeto foi desenvolvido dados os graves problemas económicos e financeiros que a EPUL então enfrentava.
A EPUL foi criada em 1971 «com o objetivo de ordenar o território e impedir a desertificação da cidade»2.
«A Empresa Pública de Urbanização de Lisboa (EPUL) é uma empresa urbanizadora, cuja principal missão consiste em auxiliar a Câmara Municipal de Lisboa através do desenvolvimento urbanístico de grandes áreas da cidade, da promoção imobiliária e da realização de projectos estruturantes de reabilitação ou renovação urbana.
Em 28 de maio (2014), em Assembleia Municipal de Lisboa é aprovada por maioria, a proposta da Câmara Municipal de extinção da EPUL. Na altura da dissolução, a EPUL tinha passivos no valor de 85 milhões de euros.
Em 2008 foi noticiado que 3 mil casas, não só da EPUL como também de habitação social, foram atribuídas por cunha».3
Há uma frase que ouvi de um responsável da EPUL que não esqueço: «na EPUL temos gente do PS, do PPD/PSD e do CDS». A este fato não será alheio o histórico de Presidentes da Câmara Municipal de Lisboa, eleitos pós 25 de abril, a saber: Aquilino Ribeiro Machado (PS) de 1977 a 1980, Nuno Krus Abecassis (AD – Aliança Democrática, coligação PPD/PSD, CDS e PPM) de 1980 a 1990, Jorge Sampaio (PS) de 1990 a 1995 e João Soares (PS) de 1995 a 2002.
Empresas públicas
Nos Estados Unidos da América são classificadas como “public companies” as empresas cotadas em Bolsa, pois qualquer cidadão delas pode ser acionista, bastando para isso comprar ações da empresa. As empresas não cotadas em Bolsa são classificadas como “private companies”.
Em Portugal, empresa públicas são aquelas nas quais o Estado, através de entidades públicas, Administração Central, Regional ou Local, participa no seu capital exercendo uma influência dominante. Uma definição mais fina pode ser encontrada no DRE (Diário da República Eletrónico):
«O conceito de empresa pública possui um alcance dual, porque abrange quer as organizações empresariais constituídas sob a forma de sociedade de responsabilidade limitada nos termos da lei comercial, nas quais o Estado ou outra entidade pública possa exercer uma influência dominante (artigo 5.º, n.º 1 do Regime do Setor Público Empresarial- Decreto-Lei n.º 133/2013, de 3 de Outubro), quer as entidades públicas empresariais (artigo 5.º, n.º 2 do RSPE), que encontram o seu regime específico no capítulo IV do RSPE (artigo 56.º e seguintes)»4
A relevância das “empresas públicas” resultou em grande parte das nacionalizações operadas após o 11 de março de 1975, durante o período revolucionário que se lhe seguiu, vulgarmente conhecido por PREC (processo revolucionário em curso) que se prolongou até 25 de novembro do mesmo ano.
Para agrupar e administrar, com alguma racionalidade, esse enorme conjunto de empresas resultante das nacionalizações dos grupos empresariais existentes antes do 25 de abril, que cobriam praticamente todos os setores de atividade, Banca, Seguros, indústria e comércio, foi criado o IPE – Instituto de Participações do Estado, em 19765, no qual foi gerado o conceito de “gestor público”6. Relativamente ao conceito de “gestor” público, sugiro a leitura do artigo “Os administradores hospitalares são gestores?“7
Partilho da definição do IPE, apresentada por Luís Marques, em artigo publicado em 20098:
«O IPE foi servindo como instrumento político através do qual o Estado mantinha uma intervenção espúria na economia e ao mesmo tempo garantia bons lugares a políticos desocupados e a gestores em permanente rodagem no sector público.»
O IPE foi extinto em 20029, tendo sido as suas participações em capital de risco transferidas para a Agência Portuguesa de Investimento (API). Contudo, os interessados na continuidade das “empresas” públicas obstaram a que o processo tenha conduzido a uma redução do peso do Estado na economia, como pretendido pelo governo e Durão Barroso.
Decorridos quase 50 anos da criação do IPE, existem hoje cerca de 150 “empresas” no intitulado SEE (Setor Empresarial do Estado)10. «O SEE é constituído pelo conjunto das unidades produtivas do Estado, organizadas e geridas de forma empresarial, integrando as empresas públicas e as empresas participadas.»11
Contestável é o facto de se afirmar na definição que as “empresas” públicas são organizadas e geridas de forma empresarial, como se o Estado fosse uma pessoa como outra qualquer, que lança empreendimentos com um risco associado que pode conduzir à sua insolvência ou falência.
O Risco das empresas
Conforme se pode inferir da definição de empresa apresentada no início deste texto, uma empresa tem sempre associado um determinado grau de risco que poderá inviabilizar a sua continuidade e originar elevadas perdas financeiras e patrimoniais para o empreendedor. É bem conhecido o facto de que a grande maioria das novas empresas acaba por soçobrar ao fim de alguns, poucos, anos.
Por definição, o Estado não entra em insolvência ou em falência, muito embora em 2011 o Estado português tenha estado perto da insolvência, ou seja, de não dispor de meios financeiros para pagar os salários aos seus funcionários ou as pensões de reforma.
Nas “empresas” públicas o risco de insolvência ou falência não existe, razão pela qual a racionalidade nas decisões dos seus administradores é afetada por condicionantes impostas pelo poder político vigente. Os casos da CGD, da TAP (que já foi salva da falência pelo Estado português mais do que uma vez), da CP, da Efacec, dos Hospitais EPE, e de muitas outras “empresas” públicas, ao longo de décadas, aí estão para demonstrar que o Estado acaba sempre por pagar a ineficiência das “empresas” públicas, através da injeção de fundos propiciados pelos contribuintes, ou do aumento da dívida dessas entidades, que no futuro acabará sempre por ser paga pelos contribuintes.
Não é segredo que a Banca financia preferencialmente as “empresas” públicas, pois tem a garantia de que existem sempre bens, cujo valor excede as dívidas, como é o caso atual do Município de Vila Real de Santo António, cujas instalações serão em breve leiloadas para pagamento de dívidas bancárias, ou que, em último recurso, o Estado as salvará através de injeções de capital como aconteceu nos casos mais recentes da CGD e da TAP e como acontece anualmente nos Hospitais EPE.
“Empresas” públicas não são empresas
Coloco sempre o termo “empresas” entre comas, pois que as “empresas” públicas não devem ser qualificadas com verdadeiras empresas, pelo que referi antes.
São uma verdadeira fonte de desperdício do dinheiro dos contribuintes pela sua ineficiência, dada a ausência de incentivos negativos (risco de insolvência ou falência) e, na grande parte dos casos, de incentivos positivos aos administradores (por ausência de contratos de gestão), o que conduz a sucessivos resultados negativos, obrigando a constantes aumentos de capital, à custa do dinheiro dos impostos.
Como é óbvio, a intervenção do poder político, seja a nível do Governo Central, Regional ou Local, de acordo com os interesses pessoais dos respetivos governantes, é fonte de irracionalidade económica como bem o demonstra o caso atual da TAP, que levou o Governo que procedeu à sua nacionalização a agora pretender a sua privatização, tal o previsível impacto eleitoral negativo dos sucessivos casos de intervenção política na administração da “empresa”.
A Solução
A cultura política portuguesa não vai mudar nas próximas décadas pelo que a solução para preservar os recursos dos contribuintes será privatizar, nomeadamente as “empresas” públicas que estão em regime concorrencial, concessionar os ativos das “empresas” públicas que sejam monopolistas e/ou que estejam em setores sensíveis como a saúde ou a educação, ou extingui-las para passarem a ser administradas de acordo com as regras da Administração Pública.