O Serviço Nacional de Saúde (SNS), o conjunto das entidades cuja administração é da responsabilidade do estado, através da ministra da Saúde, apresenta problemas graves, nomeadamente nos hospitais públicos, mas também nos cuidados de saúde primários, que afetam o normal acesso dos portugueses aos cuidados de saúde.

Há quem diga que é preciso gastar mais dinheiro com a saúde, mas os dados da Conta Satélite da Saúde 2020, publicada pelo INE, mostram, sem margem para dúvidas, que nunca a despesa pública em saúde foi tão elevada como em 2020, com crescimentos anuais enormes desde 2015.

Para que os leitores fiquem com uma ideia clara: de 2015 para 2020, a despesa corrente pública em saúde passou de 10,8 mil milhões para 13,9 mil milhões de euros, ou seja mais 3,1 mil milhões de euros, equivalente a um aumento de 28,7% em cinco anos, a uma taxa média de crescimento da despesa pública de 5,1% ao ano, equivalente a mais 612,3 milhões de euros a mais em cada ano. Os resultados estão à vista. Dinheiro desperdiçado apesar de todas as restrições e cativações. E não tem a ver com a pandemia, pois a tendência vem de 2015.

Para agravar, o enorme aumento de despesa pública não teve impacto nos resultados em termos de produção, como tive oportunidade de demonstrar no meu artigo de dezembro de 2001:A eficiência dos cuidados de saúde prestados pelo SNS, tem vindo a diminuir, se compararmos a variação da produção com a variação das Despesas com Pessoal”.

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Ter-se acabado com as PPPs da saúde veio demonstrar que o fator decisivo na diferença entre o desempenho quando estas eram geridas por privados não resulta dos médicos, dos enfermeiros, dos técnicos de saúde e dos outros profissionais de saúde, mas sim da administração e dos respetivos processos.

Os conselhos de administração dos hospitais públicos são nomeados direta ou indiretamente pelo Ministério da Saúde, com base em critérios que não são claros, colocando dúvidas sobre a qualificação e a experiência relevantes dos nomeados para o desempenho das referidas funções.

Por outro lado, existe a figura dos “Administradores Hospitalares”, pessoas que têm obrigatoriamente que frequentar a pós-graduação em Administração Hospitalar da Escola Nacional de Saúde Pública.

É referido na sua página de apresentação: “O Curso de Especialização em Administração Hospitalar é uma das formações mais reconhecidas da Escola Nacional de Saúde Pública. Há mais de 50 anos que o Curso propicia conhecimentos científicos, técnicos e competências especializadas para o exercício da gestão em organizações de saúde e de prestação de cuidados de saúde. […] É, desde 1980, o único curso que habilita ao ingresso na carreira de administração hospitalar (Decreto-Lei 48 357 de 27 de Abril de 1968)”.

“O Curso de Especialização em Administração Hospitalar (CEAH) da Escola Nacional de Saúde Pública da Universidade Nova de Lisboa (ENSP-NOVA) dirige-se a detentores do grau de licenciado ou equivalente legal”

Várias questões se colocam:

  1. Será a ENSP qualificada para ensinar Gestão? Se estivéssemos a falar de escolas em Lisboa como a Nova, o ISEG, o ISCTE ou a Católica, perceberíamos que sim, estas escolas têm competência e recursos para ensinar gestão.
  2. Consequentemente, não se percebe porque é ENSP a única a habilitar os seus pós-graduados, para o ingresso na carreira de administração hospitalar?
  3. Além disso, é condição necessária e suficiente para fazer a pós-graduação em Administração Hospitalar a posse de uma licenciatura, qualquer que seja? Na prática, licenciados em estudos africanos, em Biologia, em ciências farmacêuticas ou em Direito, por exemplo, podem concorrer, fazer a pós-graduação e entrar na carreira de administração hospitalar. Sem qualquer habilitação ou experiência prévia em Gestão?

Comparemos a formação necessária para um médico: licenciatura em medicina, com mestrado integrado, em 6 anos, mais um ano de internato, mais entre três a seis anos de especialidade.

Temos a realidade prática de administradores hospitalares, sem formação em gestão, com uma pós-graduação de uma escola sem competências para formar em gestão, estarem a organizar e a dirigir médicos, enfermeiros e outros profissionais de saúde.

Como é evidente, os resultados não serão brilhantes, como no caso da comparação que antes fizemos, que é do conhecimento público, entre os resultados e a satisfação dos pacientes dos hospitais públicos (Braga, Odivelas, Vila Franca de Xira) quando eram geridos em PPP e agora que são administrados segundo as regras da administração pública, por administrações nomeadas pelo Governo. E com o apoio dos administradores hospitalares.

Podemos questionar se existirão administradores hospitalares com competências e experiência em gestão. Provavelmente, sim! De que podem ser exemplos os atual e anterior Presidente da APAH. Mas serão, provavelmente, exceções!