O Relatório “Health at a Glance 2024” (OCDE e Comissão Europeia), disponibilizado recentemente, está em linha com os anteriores e a página 197, volta a demonstrar que os salários dos enfermeiros estão na cauda da OCDE e muito abaixo da média europeia. O acordo para valorização salarial dos enfermeiros assinado a 23/9/2024 será apenas um dos passos para reverter mais de uma década de falta de investimento nos recursos humanos na Saúde, nomeadamente, nos enfermeiros.

No final de 2023, o Observatório Europeu dos Sistemas de Saúde, a OCDE e a Comissão Europeia tornaram público o “Relatório do Estado de Saúde na União Europeia”. Relativamente a Portugal, os dados eram claros, poucos enfermeiros/1000 habitantes e dificuldades em reter os enfermeiros devido a baixos salários e carreira pouco atrativa. Desde a sua criação em 12/2/2022, que o Sindicato Nacional dos Enfermeiros (SNE), defende a urgência de um Acordo Coletivo de Trabalho Global aplicável aos enfermeiros que considere, entre outras matérias, o alto risco e desgaste rápido, a antecipação da idade de reforma, o regime de dedicação plena, o internato em Enfermagem e a diferenciação do exercício especializado, a investigação e supervisão clínica e a revisão da tabela salarial (redução do número de posições remuneratórias e início de cada categoria logo após a última posição remuneratória daquela que a antecedeu) que se encontra obsoleta e desajustada relativamente a outras carreiras especiais da área da Saúde.

De um trabalho vasto e detalhado realizado pelo Ministério da Saúde e Administração Central do Sistema de Saúde, denominado “Plano de Recursos Humanos na Saúde 2030” que foi tornado público no site da ACSS, considerei de grande relevância dois quadros que carecem de análise e atuação prioritária no caso dos enfermeiros, por um lado, o Quadro 17 – Trabalho Extraordinário dos Trabalhadores do SNS (2016-2023), onde se verificam as 4 922 258 horas extraordinárias – praticamente 5 milhões de horas extraordinárias realizadas por enfermeiros só em 2023 e pagas como tal, não considerando os bancos de horas não previstos na Carreira Especial de Enfermagem e os descansos compensatórios não gozados dos feriados trabalhados ao longo de vários anos e que pela estimativa do SNE rondam os 3 milhões de horas que ainda não foram pagas aos trabalhadores enfermeiros, comprovando a exaustão e justificando a saída antecipada e em massa de enfermeiros do SNS. Por outro lado, menos falado, mas igualmente importante nesse relatório, o Quadro 21 – Projeção de Aposentações dos Trabalhadores do SNS (2024-2030), onde se prevê a aposentação de 4988 Enfermeiros até 2030, valor mínimo e estimado sem ter em conta a antecipação da idade de reforma como defende a esmagadora maioria dos enfermeiros de acordo com o desgaste rápido e penosidade da profissão associado ao especial risco a que estão sujeitos, incluindo o trabalho por turnos. Curiosamente, somos a classe profissional onde o número de aposentações previstas é o maior em todo o Serviço Nacional de Saúde (ninguém viu, até hoje, nenhuma notícia sobre isso) e isso, claramente, é um problema, que se agrava quando o somamos ao número de 25 000 enfermeiros que emigraram na década passada.

O setor da saúde europeu enfrenta desafios significativos, desde o envelhecimento da população e doenças crónicas até aos rápidos avanços tecnológicos, os desafios da inteligência artificial e a crise climática. As restrições económicas e a procura de soluções sustentáveis ​​acrescentam complexidade, colocando imensa pressão sobre os sistemas de saúde e a força de trabalho dos enfermeiros. A melhoria das competências por si só é insuficiente, pois carece da sustentabilidade e integração de todas as especializações e níveis avançados, reforçando o papel crítico do enfermeiro especialista e do enfermeiro gestor na navegação destes desafios e o modo como podem contribuir para os resultados dos utentes, para a eficiência do sistema e soluções sustentáveis, num mundo globalizado e numa União Europeia com múltiplas pressões políticas, económicas e regulatórias.

O contributo de Portugal no quadro europeu, pode ser relevante no plano político, no âmbito da ajuda na construção de políticas europeias que influenciem positivamente as funções dos enfermeiros, enfermeiros especialistas e enfermeiros gestores para além do âmbito da prestação de cuidados de saúde, incluindo, os sindicatos, as associações profissionais, a academia e as entidades reguladoras da profissão na elaboração de legislação em torno da autonomia da força de trabalho enfermeiro, da melhoria dos salários e das condições de trabalho, da certificação de competências no quadro da União Europeia e da cooperação transfronteiriça.  Por outro lado, considerando o impacto da instabilidade económica na força de trabalho da saúde (incluindo, nos enfermeiros), numa lógica e visão de sustentabilidade, é preciso considerar a segurança no emprego e os recursos orçamentais disponíveis para os enfermeiros, reconhecendo que o avanço no reconhecimento de competências especializadas em Enfermagem e na investigação, deverá ser considerado um investimento e não um custo. O SNE reconhece como fundamental, a defesa e formulação de políticas que reconheçam a contribuição dos enfermeiros, enfermeiros especialistas e enfermeiros gestores em todos os sistemas de saúde e salienta a necessidade de esforços coesos e transeuropeus na obtenção de cuidados de saúde equitativos, sustentáveis, resilientes e com alto nível de qualidade para todos os cidadãos.

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