Segundo os últimos dados, a inflação tem vindo a abrandar. Mas isso é o que dizem os economistas com os seus gráficos. Na vida real, no dia-a-dia, as pessoas comuns continuam a sentir o aumento dos preços quando vão à farmácia aviar receitas, ao mercado abastecer-se de legumes ou ao Parlamento negociar orçamentos de Estado.
É por isso que a ligação do PS com o povo português é tão forte. Há uma profunda cumplicidade, forjada na partilha do infortúnio comum, pois os socialistas também sabem quanto dói a inflação. Como a carteira dos consumidores, que se lembra de quanto custava antes e de quanto custa agora, o bolso socialista também guarda a memória dos tempos em que gastava muito menos pelo mesmo cabaz.
Há 20 anos, o apoio parlamentar necessário para passar um Orçamento de Estado trocava-se por uma fábrica de queijo limiano; hoje, pelo mesmo produto, o Governo é obrigado a oferecer uma empresa de correios que também é um banco. Longe vão os tempos em que uma fabriqueta era boa moeda. Agora, menos que os CTT não chega.
Simpatizo com o PS. Também já passei pela mesma situação. Quando fiz 5 anos de casado, entusiasmei-me e ofereci um colar caríssimo à minha mulher. Foi o acto generoso mais estúpido que pratiquei. Desde esse aniversário, todo o presente que não tenha sido adquirido naquelas joalharias com porteiro e alcatifa ultra-fofa é recebido pela minha mulher com um “humpf”. Agora, todos os anos tenho de apresentar um embrulho cada vez melhor. Pelas minhas contas, quando fizer 25 anos de casado, vou ter de lhe oferecer os CTT. Resta saber se os compro aos donos actuais, se ao PS.
Mas tenho de admitir que o Governo joga a isto melhor do que eu. Planeou bem o esquema. Em vez de fazer como eu, que parvamente compra a jóia inteira, limitou-se a adquirir 0,24% da empresa. Bastou para impressionar o PCP, que deixou o orçamento passar. Para a próxima já sei: compro só um ou dois aros do colar, fica a promessa de um dia trazer o resto e espero que a minha mulher se esqueça entretanto.
Não quero insinuar que o PS tenha feito isto apenas por oportunismo político. Da mesma forma que António Guterres tinha um interesse genuíno pelo queijo flamengo produzido na região minhota de Ponte de Lima, acredito que este Governo queira mesmo resgatar os CTT das garras do capital privado. Faz tudo parte da sua estratégia para combater o despovoamento do interior do país. O PS sabe que só a oferta de serviço postal no concelho de residência consegue atrair população. Como se fixam habitantes sem a força de um posto de correios? Já todos assistimos a esta conversa:
– Querida, vamos viver para Ponte de Sor!
– Tem casas a preços acessíveis?
– Não.
– E centro de saúde com médico de família?
– Também não.
– E hospital com urgências na região?
– Não existe.
– E maternidade?
– Fechou.
– Empregos?
– Poucos e maus.
– E escola?
– Isso há!
– Com professores?
– Ah, com professores é que não. Mas abriram uma na vila ao lado.
– Há transportes para lá?
– Só à sexta-feira.
– Não estou a gostar muito de Ponte de Sôr.
– Mas possui um posto dos CTT.
– Porque é que não disseste logo? Isso, sim, é qualidade de vida! É o sítio perfeito para criar os nossos filhos.
O Governo precisa de ter mão nos CTT. Não podemos confiar na gestão privada. Apesar de terem voltado a ter postos de correio em todas as sedes de concelho, é uma questão de tempo até começarem a encerrá-los alternadamente. Em breve, os utentes vão ser obrigados a consultar uma tabela antes de sair de casa, para saber que estação dos CTT estará aberta nesse dia. Imagino a aflição da pessoa que precisa de comprar um envelope pré-pago com urgência e não sabe a que posto se deve dirigir. Umas vezes pode ter sorte e ser o que está perto de sua casa, outras pode ter azar e ser um a 80 km. Espero que o PS não abandone o projecto de recompra dos CTT. Os portugueses não merecem viver na incerteza sobre a prestação de serviços postais.
Somos um povo rijo, que aguenta muito. Mas temos o nosso limite. Damos à luz em estações de serviço, não conseguimos pagar a casa, esperamos horas em corredores de hospitais (quando os apanhamos abertos), viajamos apertados e atrasados nos autocarros, os nossos filhos não têm aulas. Até aí, tudo bem. Agora, não nos obriguem é a fazer vários quilómetros para comprar o selo da carta em que nos queixamos disto tudo ao nosso primo emigrado, a avisá-lo para não voltar.