As escolas representam o compromisso das sociedades com a educação. Procuram providenciar um complemento à educação familiar e anular desigualdades que possam existir à partida. Mas a forma como as escolas são construídas, principalmente ao nível curricular e extracurricular, mas também infraestrutural e organizacional, não é neutra e reflete suposições sobre a aprendizagem, sucesso, realização e relacionamentos.
Ao longo das últimas décadas, as políticas educativas e a investigação desenvolvida nos domínios do currículo, da participação cívica e política, têm atribuído um lugar de destaque à educação para a cidadania na promoção da democracia europeia. Esta tendência verifica-se, essencialmente, por dois motivos simples de compreender: o objetivo de se construir uma cidadania europeia; a investigação científica que fundamenta os benefícios da participação cívica e comunitária/política desde cedo para o exercício da cidadania na vida adulta.
Tendo a escola – e entenda que sempre que ler “escola”, sublinha-se a importância da escola pública -, também, a missão de combater as desigualdades sociais e de promover uma igualdade de oportunidades no seu seio, podemos afirmar, ainda assim, que é também promotora de desigualdades. Revela-se fundamental, para criar uma escola mais justa, agir não apenas no próprio funcionamento da escola, mas também na promoção do exercício da cidadania, no estímulo à participação comunitária e à educação cívica, de forma a assegurar que todas as crianças e jovens desenvolvam competências que lhes permitam, posteriormente, integrar-se nas respetivas comunidades e na sociedade de forma ativa. Resumidamente, a escola deve assumir a missão de combater as desigualdades que possam ser originadas no contexto familiar e/ou na falta de um terceiro meio robusto e profícuo. Este terceiro meio representa algo essencial para as democracias, comunidades e para a sociedade, sendo o que representa, preserva e fomenta as culturas próprias, e impulsiona movimentos coletivos e evoluções sustentadas. Trata-se das associações, dos clubes, dos grupos de pertença, entre outros, de cariz diverso.
A ideia de a escola ir além da instrução não é inovadora, muito menos um devaneio contemporâneo. Sampaio da Nóvoa diz-nos que quando se afirma que é necessário ir “além do ato de instruir” e promover uma “educação do carácter e do espírito”, a frase suscita uma adesão unânime, ainda que nem todos a interpretem da mesma maneira. Diversos autores denunciam uma realidade onde as escolas se encontram carregadas de imposições, de práticas heterónomas, onde muita da participação existente é de carácter forçoso. Para mudar esta realidade, é necessário reformular as práticas docentes e as políticas de gestão, modificando a estrutura, organização e o papel dos alunos nas escolas, democratizando as suas atividades ao assumir um papel ativo no seu próprio processo educativo.
A liberdade para explorar, para conhecer e para crescer é uma condição sine qua non para a educação para a cidadania. Não será ao restringir e forçar que esta se dará. A escola tem a missão de ser um espaço de formação cidadã, não de formatação cidadã. As escolas são os alicerces da sociedade e o garante do futuro. No entanto, a cidadania nas escolas só é fomentada quando existe espaço e tempo para explorar, para idealizar, propor e concretizar. A cidadania só se desenvolve quando do seu exercício resulta algo e quando impactamos o outro ou o meio. As escolas devem proporcionar essa experiência aos alunos. Afinal de contas, não vivemos sozinhos e dependemos uns dos outros. Para este fim, nas escolas, em muito será profícuo desenvolver práticas revestidas de uma forte componente bottom-up, onde o erro e o sucesso, o interesse autónomo e autêntico, são as bases para a construção de um perfil à saída da escolaridade obrigatória, que não se quer estandardizado, mas antes dotado de capacidade própria e preparação.