Imagine o seguinte cenário: está um belo dia de Verão e decide ir a uma esplanada almoçar.
Deseja partilhar esse momento com a sua família e faz-se acompanhar da sua filha de dois anos e da sua mulher que está grávida.
Senta-se tranquilamente e eis senão quando repara que à sua volta várias pessoas estão a fumar.
Tem então duas hipóteses: esquece que a sua filha e a sua mulher grávida estão a aspirar aquele fumo e fica na esplanada a usufruir do Sol e do ar que deveria ser puro e de todos, ou decide ir para dentro do restaurante, preso num espaço fechado.
Existiria uma terceira possibilidade que seria o de mudar de mesa na esplanada. No entanto, a probabilidade de encontrar uma mesa livre de fumo é praticamente nula, isto porque as estatísticas apontam para que cerca de 25% da população portuguesa acima dos 15 anos seja fumadora.
Para abordar esta problemática, existem posições morais e legais a debater.
Sendo o tabaco uma mistura de químicos socialmente aceite, bem tolerado e sem riscos de abuso agudo, como acontece com o álcool, que direito existe de se restringir cada vez mais o seu uso e coartar a liberdade individual dos fumadores!?
Que direito existe de causar ansiedade e possível dependência de ansiolíticos aos fumadores que entrem em processo de desabituação tabágica, tantas e tantas vezes mal sucedido?
Mas temos do outro lado a criança, a grávida, o cidadão que também tem o direito de estar ao ar livre e raras vezes o consegue fazer de forma saudável.
Os números são claros, mas não têm sido suficientes para diminuir o número de fumadores, nem para proteger os não fumadores.
Os tumores malignos da traqueia, brônquios e pulmão são considerados a nível europeu como a 3ª causa de mortalidade. Em Portugal causam 4.000 óbitos por ano, o que os tornam as neoplasias com maior número de mortes. Calcula-se que estes tipos de cancros sejam responsáveis por um total de 19.380 anos de vida potenciais perdidos. Em 78% dos casos existe um factor causal confirmado que é o tabagismo.
A doença pulmonar obstrutiva crónica, anteriormente conhecida por bronquite ou enfisema, é também um grave problema a nível nacional. Calcula-se que a prevalência desta patologia seja de cerca de 14% nos adultos com mais de 40 anos, com um aumento de 20% no número de internamentos hospitalares nos últimos anos. Também aqui a associação com o tabagismo é directa.
Portanto, algo deve ser feito para proteger os fumadores, mas também os adultos não fumadores e especialmente as crianças. É aqui que deveremos insistir: na defesa do não fumador.
Assim, poderíamos instituir o conceito de esplanadas “smoke free”.
Numa fase inicial, até porque é proibido proibir, poderiam ser os espaços pertencentes ao Estado ou as Câmaras, tais como cafés com esplanada existentes em museus ou bibliotecas, a dinamizarem esta iniciativa. Nestes estabelecimentos não existiriam cinzeiros mas sim panfletos informativos do conceito, bem como informações sobre a forma de deixar de fumar, nomeadamente através de fármacos, que são agora comparticipados, e também das consultas de cessação tabágica que existem um pouco por todo o país.
Numa fase posterior o conceito seria alargado a qualquer estabelecimento. Estou certo que existirão clientes suficientes para os cafés e restaurantes ponderarem ser “smoke free” sem prejuízos económicos. Estes estabelecimentos poderiam ser isentados da taxa de ocupação das esplanadas. Esta taxa que é paga à Juntas de Freguesia teria de ser suportada pelo Estado central.
Tendo em conta a liberdade dos cidadãos, mas também tendo em conta a função do Estado como protector dos mesmos cidadãos, nomeadamente das crianças, gostaria de ver discutida esta proposta.
Médico