Não, não é fofinho trabalhar em lares. Ao contrário do trabalho de uma educadora de infância, uma funcionária de um lar raramente consegue trazer boas memórias para casa ao final do dia.

Não, as imagens propagandeadas por Hollywood em relação às “casas para séniores” nada têm de realidade. Pelo menos para o comum dos mortais portugueses.

Em Notebook, Diário da Nossa Paixão, um romântico marido, James Garner, conta a história da sua paixão à sua demente, mas querida esposa, Gena Rowlands. Isto não existe no planeta luso. Isto só existe nos filmes americanos.

Retirando alguns lares fantásticos, que não são para o comum dos reformados com pensões de miséria, a grande maioria dos milhares de idosos que estão nos lares portugueses não se encontram nesse estado de saúde. Encontram-se imobilizados, de fraldas, pois têm incontinência urinária e fecal, agressivos, senis, alguns a babarem-se ou a cuspirem nos cuidadores.

Diariamente, há fraldas para trocar, há comida para dar à boca e há o esperar pela hora da morte.

Muitos idosos sofreram AVC, ou estão em tal estado avançado de demência que não reconhecem os familiares ou cuidadores. Muitos foram abandonados por familiares, familiares esses, que também já haviam sido abandonados pelos pais durante toda a vida.

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Na margem Sul do Tejo, existem zonas residenciais de vivendas, onde praticamente porta sim, porta não, existe um lar de idosos. Sim, são lares ilegais, pois não têm alvará. Muitos têm médicos, enfermeiros, todo o pessoal legalizado, ordenados em dia, comida em boas condições. Outros terão muito poucas condições.

E não têm alvará porquê? Porque dando alvará, a Segurança Social teria de comparticipar com um valor para esse lar. Ora, como a Segurança Social não tem dinheiro para subsidiar todos os lares, vai colocando sempre mais um entrave até à legalização total dos mesmos e vai passando licenças provisórias. E não os pode fechar, porque não tem onde colocar todos esses milhares de idosos.

Por outro lado, existem igualmente lares com alvará passado há vários anos e com péssimas condições, pois a Segurança Social também não tem capacidade para os reavaliar.

E assim se vai vivendo neste limbo.

Mesmo com todas estas dificuldades, os lares vão conseguindo gerir as descompensações das doenças e as idas e vindas às consultas fora dos lares. Alguns conseguem ter quartos de isolamento. Outros não.

Todo e qualquer médico que trabalhe num lar, ao contrário do que é apregoado, não é bem visto pelos pares. Até porque existe uma grande corrente na classe médica que defende a exclusividade dos médicos. Então, se todos os médicos tivessem exclusividade, quem é que daria apoio aos lares? Apenas os médicos que trabalham no privado? Não chegariam, certamente, até porque a maior parte dos médicos destes lares são clínicos gerais/médicos de família. E, como se sabe, são em número reduzido. Seriam médicos “públicos”, que retirariam horas aos seus utentes para irem acompanhar utentes num lar privado? O médico com 40 horas, trabalharia 35 no hospital ou no centro de saúde e 5 nos lares e era pago pelo SNS? Ou os lares passariam todos a ser “públicos”?

Ninguém quer saber destes problemas.

Reconheça-se: uma centena de idosos mortos por surto de Covid num lar em Moncaforninhos, pouco mais dará do que uma notícia a meio de um telejornal. Ninguém quer saber! Na verdade, se nem uma centena de mortos nos incêndios de Pedrogão Grande tiveram o condão de mudar algum tipo de políticas públicas, porque é que seria diferente com a morte de idosos?

Há muitos anos, ouvi um dirigente desportivo comentar os maus resultados de Portugal naqueles Jogos Olímpicos. Dizia ele, que Portugal tinha tido um mau resultado nos Jogos Olímpicos do desporto. Mas se tivesse participado nos Jogos Olímpicos da Matemática ou da Ciência, o resultado teria sido o mesmo. Isto, porque não havia investimento.

Ora eu acrescento: nos Jogos Olímpicos do tratamento, acompanhamento e cuidados aos idosos também ficaríamos muito mal classificados.

A Covid há-de passar, alguns idosos morrerão, algumas reformas deixar-se-ão de se pagar e tudo continuará como está!

É triste ser velho.