Como explicaram Fernand Braudel e Immanuel Wallerstein, há séculos que o mundo se organiza em círculos concêntricos. As periferias e sobretudo as ultraperiferias do mundo, como Moçambique, ampliam os mesmos fenómenos dos centros, como os Estados Unidos da América (EUA), e são sempre aquelas que determinam se um dado ciclo histórico ou civilizacional está em expansão, recessão ou ponto de viragem.

A lógica dos dias que vivemos fica cristalina quando uma identidade social representada pela esquerda, no caso a negra, como vítima por excelência da opressão e da marginalização social se rebela contra essa mesma esquerda, encurralando-a. Isso desfaz as dúvidas não apenas sobre o ponto de inversão do ciclo histórico, mas também sobre essa esquerda ser, também ela, a fonte que os mais desfavorecidos identificam como causadora dos seus piores males: falhanço social, pobreza, opressão, violência, destruição.

Enquanto nos centros a violência da esquerda sobre os negros se cinge à pressão psicológica através da comunicação social, universidades, meios intelectuais e artísticos, nas periferias e ultraperiferias do mundo assume traços da mais cruel brutalidade. Sendo partes de um mesmo e único fenómeno apenas distintas na intensidade, se nas últimas 24 horas a comunicação social esquerdista norte-americana, no hemisfério norte ocidental, continuou a silenciar ou a destratar a ousadia crescente dos negros desalinhados em se aproximarem de Donald Trump, na África profunda do hemisfério sul a reação dessa mesma esquerda foi o assassinato bárbaro a tiro, em Maputo/Moçambique, de Elvino Dias e Paulo Guambe, duas figuras de destaque próximas de Venâncio Mondlane, do Partido Podemos, figura carismática raríssima que lidera a oposição contra a Frelimo.

Estando os EUA (onde os negros são uma minoria e a questão é racializada) e Moçambique (onde são a esmagadora maioria e a questão é cívica) nos antípodas, em lugares opostos da Terra, a dimensão planetária de rejeição da esquerda é hoje avassaladora. Para constatá-lo bastaria juntar a rejeição popular do chavismo socialista, de Nicolás Maduro, na Venezuela. Quando um fenómeno de uma mesma natureza (estão sempre em causa processos eleitorais) se repete num curto espaço de tempo (no intervalo de alguns meses do ano corrente) nos EUA (centro do sistema internacional), Venezuela (periferia desse sistema) e Moçambique (ultraperiferia) jamais são meras coincidências.

PUB • CONTINUE A LER A SEGUIR

A esquerda está em regressão severa como não acontecia desde a revolução francesa (1789) e, sobretudo, desde a revolução russa (1917), o que faz de 2024 o ponto de viragem histórico e, tal como Donald Trump (centro), Venâncio Mondlane (ultraperiferia) é uma figura central. É fundamental que se reivindique pelo mundo, contra a esquerda, que a nova busca de dignidade e liberdade pelas identidades negras se transforme naquilo que os seus promotores desejam, movimentos cívicos, democráticos, populares, pacíficos marcados por um substrato cristão. Por isso, era justo que o Papa Francisco se predispusesse a ser o expoente do reconhecimento da luta dessas renovadas identidades negras, incentivando que fossem recebidas em audiência no Vaticano.

Encurralada, a esquerda desorienta-se entre o estado de negação (como é possível até os negros pobres serem contra nós?!), a sua velha teimosia abjeta de silenciamento social dos negros desalinhados da esquerda (a comunicação social não engana) e a violência manifesta. Tal como aconteceu em 1989 no advento do desmoronar do Império Soviético (1945-1991), em 2024 o mundo força a esquerda a ter de assistir ao espetáculo para si doloroso do derrube do Muro de Berlim Mental que tinha construído na mente de pessoas, comunidades e povos de ancestralidade africana por todo o mundo.

Na verdade, a casta esquerdista, em especial a branca (políticos, jornalistas, académicos, intelectuais, artistas), sempre traçou uma fronteira clara entre os seus negros, os bonzinhos de quem se tornou dona das cabeças nos últimos sessenta anos, os seus prediletos escravos mentais, dos insubmissos pretos que nunca conseguiu domesticar. Os últimos cansaram-se de ser tratados como se tratam os pretos, arte exímia da esquerda; cansaram-se de ser silenciados, enganados, humilhados, reprimidos, martirizados, verem negado o seu direito à simples existência individual e coletiva dignas.

Se o Presidente da República Portuguesa, Marcelo Rebelo de Sousa, e o Primeiro-Ministro, Luís Montenegro, não perceberem isto não entendem mais nada.

Nos EUA, nas próximas gerações será impossível estancar a migração de eleitores da minoria negra do Partido Democrata (esquerda progressista globalista) para o Partido Republicano (direita conservadora nacionalista). Esses eleitores encontraram no espaço social e político livre e inter-racial criado por Donald Trump possibilidades de libertação que nunca tiveram. O mérito é de um líder mundial de referência de uma das democracias mais sólidas do planeta paradoxalmente acusado, como nenhum outro, de racista e xenófobo. Ou os argumentos morais, intelectuais e cívicos publicamente defendidos por esses negros norte-americanos para se aproximarem dos republicanos (direita) são falsos, isto é, eles são burros ou, pelo contrário, burros são os políticos, académicos, jornalistas, intelectuais e artistas brancos esquerdistas que sempre negaram a existência e dignidade pessoal e social desses pretos.

O mesmo cenário apresenta traços bem mais penosos no lado oposto, na ultraperiferia do mundo. A figura carismática negra de Venâncio Mondlane – com traços conservadores, cristãos, de defesa da língua portuguesa, profundamente reformista por via democrática, cívica, pacífica de rotura com a esquerda – que arrasta, por isso, os moçambicanos num verdadeiro tsunami popular de mudança, torna no mínimo escandaloso que ele nem sequer exista na comunicação social portuguesa.

Exposto à mais selvática desproteção e violência do Estado marxista-leninista-maoísta da Frelimo disfarçado de democrático, Venâncio Mondlane e o Podemos sabem que o assassinato, nas últimas horas, dos seus companheiros Elvino Dias e Paulo Guambe são mero prenúncio da reação do regime nos dias que se seguem. As mortes são retaliações por causa das eleições gerais em Moçambique realizadas no passado dia 9 de outubro de 2024.

Repete-se o desastre da Venezuela de há poucos meses, mas com possibilidades de um avolumar de cadáveres, tal como da vaga imigratória moçambicana que chegará a Portugal. Por todas as razões, o Presidente da República, Marcelo Rebelo de Sousa, e o Primeiro-Ministro, Luís Montenegro, devem ser os primeiros a condenar e não tolerar mais a violência da Frelimo. Caso contrário, que se calem para sempre com a sua defesa dos povos africanos ou que são antirracistas. São negros que estão a morrer!

Venâncio Mondlane e o Podemos criaram, em Maputo/Moçambique, um gabinete e estrutura técnica central de registo digital dos editais das mesas de voto de todo o país e procederam, por si mesmos, à contagem de votos paralela à da máquina eleitoral controlada pela Frelimo. Clamam vitória inequívoca nas eleições presidenciais (Venâncio Mondlane) e legislativas (Podemos).

Descontada a violência totalitária assassina da Frelimo desde 1974, nunca histórica e socialmente exorcizada e protegida pelo regime esquerdista português (PSD, PS, PCP, BE), por isso incurável e endémica até hoje, desde o início da democracia em Moçambique, em 1994, as diferentes oposições sempre contestaram o processo eleitoral e os resultados controlados pela Frelimo. Trinta anos depois, em 2024, a diferença é que Venâncio Mondlane apresenta provas e uma coragem, lucidez e maturidade fora do comum. Ele e o Podemos tinham convocado para a próxima segunda-feira, 21 de outubro, uma paralisação nacional em forma de protesto e, entretanto, o regime esquerdista antecipou-se com as primeiras execuções.

Desta vez, Portugal, a União Europeia (UE) e a Comunidade dos Países de Língua Portuguesa (CPLP) não têm margem para sujar as mãos com sangue moçambicano escudando a Frelimo.

Assim como Donald Trump soube abrir uma nova autoestrada de relacionamento livre, franco e aberto entre a maioria branca e a minoria negra nos EUA, Portugal e a Europa têm nestes novos movimentos africanos uma autoestrada de renovação histórica para ajudar a resolver a sério os problemas de África legados por mais de meio século de destruição esquerdista para desgraça do mundo. Isso inclui a abertura de um caminho de partilha universal da autorresponsabilidade (cada governo e povo é o primeiro e principal responsável pelo seu destino, europeu ou africano); enterrar de vez o ódio primário ao colonialismo europeu e ao Ocidente; jogar ao lixo a estupidez nefasta do racismo, xenofobia ou exigência de reparações históricas; controlar a sério a imigração e as fronteiras pelo respeito incontestado da soberania territorial de cada Estado; por aí adiante.

É uma desgraça que o mundo tenha de mudar para melhor por cima de miséria, destruição, sofrimento, sangue e cadáveres. O caso de Moçambique é-me especialmente doloroso e Venâncio Mondlane tem de se manter vivo e seguro para a sanidade mental de todos nós!