Reparando naquilo que hoje se passa à nossa volta constatamos que Samuel P. Huntington não podia ter sido mais presciente quando, no verão de 1993, escreveu na revista Foreign Affairs o famoso ensaio “The Clash of Civilizations?“, relativo à nova ordem mundial posterior à Guerra Fria.

Contrariando a visão pacificadora então em voga de Francis Fukuyama sobre a vitória global e definitiva do modelo ideológico assente nos direitos humanos, na democracia liberal e na economia de mercado, Huntington sustentou a tese de que as identidades culturais e religiosas e não as ideologias constituiriam a causa principal das guerras futuras. Escreveu: “a fonte fundamental de conflitos neste mundo novo não será principalmente ideológica ou económica. As grandes divisões entre a humanidade e a fonte dominante de conflitos será cultural. Os Estados-nação continuarão a ser os atores mais poderosos no cenário mundial, mas os principais conflitos da política global ocorrerão entre países e grupos de diferentes civilizações. O choque de civilizações dominará a política global. As falhas geológicas entre civilizações serão as frentes de combate do futuro“.

Vendo as coisas a esta luz, a Guerra da Ucrânia, afloramento do antagonismo que opõe a Aliança Atlântica à Rússia, constitui no fundo um episódio contemporâneo da milenar confrontação cultural e geo-política entre o Ocidente e o Eurasianismo – que já foi mongol, tártaro, czarista, soviético e hoje é representado por Vladimir Putin.

Neste contexto, convém lembrar que o Ocidente é uma civilização inspirada na cultura clássica greco-latina e na moral cristã e historicamente ligada ao Mediterrâneo e ao Atlântico. Embora muito socavada por factores de perturbação como o globalismo multicultural, a desnacionalização das elites, os novos paganismos naturalistas e as culturas radicais da auto-gratificação individual, a matriz identitária ocidental não desapareceu de todo: bem ou mal ainda há Cristandade e Igreja de Roma, nações históricas, sociedade civil, Estado de direito, liberdades pessoais e outras coisas muito apreciáveis.

PUB • CONTINUE A LER A SEGUIR

Posto isto, como conservador português, europeu e ocidental julgo indefensável, tanto do ponto de vista intelectual como no plano ético, toda a posição de neutralidade, desistência ou capitulação perante a barbárie que nos desafia hoje na Ucrânia e amanhã sabe-se lá aonde.

Pior ainda será a traição: a defesa e promoção, por imprevidência ou com dolo, dos interesses objectivos de uma cultura de horda eurasiática, não apenas alheia mas antagónica do Ocidente.

Finalmente, é incompreensível o sincero entusiasmo por Putin de certa direita vernácula. Que protesta, com razão, contra a destruição civilizacional feita por dentro mas aceita ou deseja a destruição vinda de fora.