[A propósito das eleições na Ordem dos Advogados, marcadas para os próximos dias 27, 28 e 29 de novembro, o Observador convidou os seis candidatos ao cargo de bastonário a escreverem textos de opinião, que publicamos esta semana. A cada um deles foi feito o mesmo desafio: destacar o tema/prioridade que cada um considera mais relevante no contexto atual da justiça e da advocacia.]

No que concerne ao acesso ao direito e aos tribunais, só poderemos dizer que a Justiça está de boa saúde quando a Todos, para defesa dos seus direitos, seja possível aceder à justiça.

Este acesso tem que ser para todos sem excepção, quer para aqueles que se encontram sem capacidade financeira, quer para os que, apesar de a terem, não podem, por via das elevadas custas judiciais, aceder à justiça nem ter direito ao denominado Apoio Judiciário.

Todos sem excepção porque também deve ser assegurado às vítimas de crimes violentos, aos trabalhadores nos processos de natureza laboral, às vítimas de violência doméstica, às vítimas de tráfico de seres humanos, e àquelas pessoas que se encontram em reclusão — estas, neste momento, não têm apoio jurídico dentro dos EPs para outras questões que não o processo/processos judiciais que levaram à reclusão, o que é manifestamente inconcebível.

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Todos sem excepção, porque o acesso ao direito deve ser garantido independentemente da condição social ou cultural, convicções políticas ou religiosas. Apesar de este ponto nos parecer que está salvaguardado, neste momento há outros que não o estão de todo. É o caso, por exemplo, de um surdo-mudo ou de uma pessoa que não é conhecedora da língua portuguesa. No sistema atual, estes cidadãos, apesar de poderem ter direito a um advogado, no caso de preencherem os critérios de insuficiência económica, não têm direito a um intérprete ou tradutor. Ora, não é possível uma correta preparação e realização da defesa/patrocínio oficioso sem que o cidadão possa conferenciar com o seu Advogado nomeado para preparar a sua defesa ou elaborar a acção pretendida. Aqui fica necessariamente comprometido o acesso ao direito. Por tal, a Ordem dos Advogados tem vindo a defender a criação de uma nova modalidade de apoio judiciário, que é a nomeação de Tradutor/Intérprete.

Todos sem exceção, porque o cidadão que se vê a braços com um processo desjudicializado encontra-se, na maioria dos casos, impedido de aceder ao apoio judiciário, mesmo que esteja numa situação de insuficiência económica. Estes processos, na maioria dos casos, deixaram, por opção do legislador, de beneficiar de apoio judiciário. Estão nesta situação, por exemplo, muitos processos ligados ao ramo do direito da família, que passaram a tramitar obrigatoriamente nas conservatórias, incluindo o cidadão que, apesar de ter alguma capacidade económica, não pode, por via das elevadas custas judiciais, aceder à justiça e não tem direito ao denominado Apoio Judiciário porque não cumpre os critérios de insuficiência económica (onde se encontra, actualmente, a maioria da nossa classe média).

As actuais taxas são verdadeiramente proibitivas e impedem que a grande maioria dos cidadãos acedam à justiça. Temos valores verdadeiramente escandalosos e desproporcionais ao rendimento das pessoas, não sendo aceitável que um caso em que dois pais divorciados discutem em tribunal a alteração do regime de férias dos filhos termine com a apresentação de uma conta elevada a cada um dos progenitores. Não é aceitável que o cidadão, quando pretende deduzir oposição a uma execução fiscal de 300 euros, tenha de pagar 306 euros só de taxa de justiça inicial.

As custas, por um lado, têm que ser necessariamente reduzidas na generalidade, mas têm também que ser adequadas e proporcionais, quer ao rendimento do cidadão quer à complexidade e valor da causa. Nesta senda, em Espanha foi já proferido um acórdão do Tribunal Constitucional que veio declarar a inconstitucionalidade de as custas não serem adequadas e proporcionais ao rendimento das pessoas.

Um cidadão com um rendimento médio mensal de 800€/900€ não pode aceder à justiça quando, para tal, terá que pagar logo desde o início taxas que equivalem a todo ou quase todo o seu rendimento mensal.

Quanto a esta matéria existe consenso no parlamento actual, uma vez que todos os partidos políticos colocaram nos seus programas para as eleições legislativas a necessidade da descida das custas judiciais. Portanto, temos de ter a convicção que este problema será seguramente ultrapassado com o cumprimento do que está nos programas eleitorais.

Em resumo, a Justiça só estará de boa saúde quando for cumprido o que está consagrado na nossa Constituição da República Portuguesa, nomeadamente no seu artigo 20º e o Estado garantir que “A todos é assegurado o acesso ao direito e aos tribunais para defesa dos seus direitos e interesses legalmente protegidos, não podendo a justiça ser denegada por insuficiência de meios económicos.”

E o trabalho que a Ordem dos Advogados tem vindo a desenvolver quanto a estas matérias tem-se revelado essencial. É necessário continuá-lo, com seriedade e sem demagogias, lutando pela efetiva realização do Estado de Direito, no pleno acesso dos cidadãos aos Tribunais, mas também assegurando que o trabalho de qualidade que os Advogados têm desenvolvido nesta matéria é condignamente remunerado, pois são estes o garante dos
direitos, liberdades e garantias dos cidadãos.

Não pode o Estado demitir-se dos seus deveres constitucionais, nem empurrar aquilo que é a
sua obrigação para os Advogados, a custos diminuídos.

Guilherme Figueiredo é o atual bastonário da Ordem dos Advogados e candidato a um segundo mandato