Falta menos de um ano para as eleições europeias. Que bocejo, hein? É curioso que, com uma guerra à porta e problemas com relevância no quotidiano de toda a gente por resolver, e que serão resolvidos, mal ou bem, à escala europeia, nós andemos entretidos sem fazer o que seria desejável: ouvir os eurodeputados eleitos em 2019, pedir-lhes contas, saber o que andaram a fazer, de que forma nos representaram, o que defenderam, o que pensam, e tentar perceber o que pensam os partidos e os seus putativos candidatos ao Parlamento Europeu.
Já começou, porém, o jogo do quem-é-quem? pré-eleitoral. É o costume, e é de uma pobreza avassaladora: de 5 em 5 anos, somos chamados a escolher os representantes no Parlamento Europeu, passamos meses a tentar perceber quem serão os cabeças-de-lista de cada partido, acompanhamos uma campanha eleitoral onde não se discute nada do que está em jogo na eleição, todas as candidaturas usam a campanha para a política interna, para recuperar casos, para apontar falhas sectoriais e problemas mediatizados, no final fazem-se contas mais ou menos futebolísticas sobre vencidos e vencedores, e nunca mais ninguém quer saber dos eurodeputados. Pelo meio, os partidos apresentam os seus manifestos eleitorais, mãos cheias de conversa de encher sobre «políticas europeias» e a ideia consensual de que todos pugnarão «lá fora» por «coisas boas» para o bom povo que para lá os deita.
Percebo que a sociedade não está na sua melhor fase para um debate político que entende à partida ser maçador. Tudo se transformou em entretenimento, em espectáculo, tácticas e forma, em detrimento do conteúdo. Pior ainda num país que se habitou a ver na Europa uma mera fonte de recursos e não mais do que isso. Ninguém quer saber, na verdade. Mas como ninguém quer saber, talvez fosse mesmo desaconselhável o circo que será a campanha daqui a menos de um ano. Ou talvez pudesse mesmo ser útil introduzir o debate que deve ser feito e não aquele que é expectável que se venha a fazer. Quando ninguém quer saber, não se perde nada em falar do que realmente interessa. Isto, naturalmente, se ainda subsistir alguém disponível, e que os partidos entendam capaz de dar corpo a uma filosofia.
Desde 1987 que não há uma campanha europeia com suficiente grau de profundidade política. Nos últimos 25 anos, as coisas só pioraram. Portugal parece hoje um país resignado com a sua condição, se é que sabe sequer qual é a sua condição, o seu lugar na Europa, no mundo, para onde quer caminhar, que país deseja ser num mundo em mutação, numa civilização em declínio, com os pólos geopolíticos do globo a alterarem-se cada vez mais velozmente, e olha com uma indiferença galopante para o sítio político mais importante das suas vidas.
É compreensível o entusiasmo mediático, entre as elites partidárias, jornalísticas e comentadoras, que gera uma eventual ida de António Costa para um organismo europeu ou a indicação dos cabeças-de-lista por cada partido às eleições para o Parlamento Europeu. Mas que interessante seria se, em vez disso, nós soubéssemos o que pensam eventuais candidatos – ou candidatos de facto – a ocupar esses lugares, não só em termos de medidas avulsas, mas de algo mais do que isso. Que arrojado seria se surgisse alguém na próxima campanha com uma proposta política que espelhasse uma ideia, um pensamento, uma filosofia, uma ambição, uma concepção para o futuro do país, das instituições europeias e até mesmo das sociedades portuguesas e europeias. Porventura, que o país deixasse de beneficiar do fundo de coesão ou que passasse a contribuir com mais do que recebe da Europa. Que caminho teríamos de fazer para alcançar essa meta? Que Estado teríamos de ter? E, mais relevante, que sociedade teríamos de ser? Que mudanças teríamos de fazer? No fundo, do que precisamos para que nos tornemos mais ricos? Que horizonte temos? Onde queremos estar daqui a 10 anos? Que lugar queremos ocupar, dentro do quadro europeu, relativamente ao resto do mundo, sobretudo em relação à China? Que tipo de soberania desejamos ter? E, insisto na pergunta que me parece mais relevante, que sociedade queremos ser? A menos de um ano das europeias do nosso descontentamento, era bom que estes não fossem meses de deserto, mas de regadio político e intelectual.