A Eutanásia foi, mais uma vez, aprovada no Parlamento. Muitas pessoas já abordaram este assunto (e ainda é tema e continuam a falar nele), algumas das quais mais conhecedoras da matéria pelo que não me vou alongar, apenas acrescentar algo ao debate que, julgo, a maioria desconhece. Sabiam que nos últimos anos, a taxa de ocupação de camas em Paliativos da Rede Nacional de Cuidados Continuados Integrados (RNCCI) anda na ordem dos 50%? Inclusive durante a pandemia, quando diziam não haver camas disponíveis nos hospitais? E sabiam que é dito às famílias e doentes (muitas vezes exercendo uma enorme pressão) que têm de ir para casa pois nem em paliativos nem nas outras tipologias da RNCCI há vagas e a lista de espera é enorme? Estranho, não é? Porque será? Já tive oportunidade de denunciar esta situação nos órgãos próprios, nomeadamente na Comissão de Saúde da Assembleia da República. Mas parece que ninguém se preocupa com estas situações de enorme gravidade, nem mesmo a comunicação social lhe dá a atenção que merece.
Mas há mais, infelizmente. Com a publicação da Portaria 272/2022, veio ser reposta justiça (pensaríamos todos), uma vez que, basicamente, no caso dos doentes encaminhados para a tipologia de longa duração e que tenham úlceras de pressão (vulgo escaras/feridas abertas no corpo), estas úlceras passam a ser pagas independentemente da origem do doente (pois antes só eram pagas se fossem provenientes de um hospital público, caso tivessem outra proveniência estes doentes eram tratados de borla). No entanto há um senão: é que a administração pública (quem deu a ordem?) já há vários meses que envia estes doentes para a tipologia de média duração, de forma a que os doentes sejam tratados gratuitamente, o que é naturalmente grave. Como se isto não bastasse, estes doentes que não têm potencial de reabilitação, estão a tirar a vaga a quem tem esse potencial e que sai gravemente prejudicado (que para além do sofrimento pessoal e de ficarem dependentes de outros, sem a sua própria autonomia, por lhes ser vedada a sua reabilitação, são mais pessoas que vêm aumentar os custos em saúde e pensões por invalidez). Portugal é mesmo um dos campeões do causar sofrimento e gastar dinheiro estupidamente.
Recentemente, o Senhor Ministro da Saúde, em entrevista, reconheceu que têm de se actualizar os preços que o Estado paga pelos medicamentos. O Sr. Secretário de Estado João Galamba referiu que o Governo iria actualizar os preços a pagar pelas energias renováveis para serem atractivos. As PPP rodoviárias reclamam actualizações com base na inflação (que sempre foram cumpridas) e o Senhor Primeiro-Ministro diz que tal não é possível mas todos sabemos como acaba – o Governo a pagar generosamente. E o que nos diz então a mesma portaria 272/2022? Que em 2023 não haverá actualização dos preços dos cuidados continuados com base na inflação do ano anterior (2022). Ou seja, há inflação para todos menos para quem trabalha e usufrui dos serviços em cuidados continuados. Inacreditável. Os preços dos cuidados continuados entre 2011 e 2022 apenas foram actualizados por duas ocasiões (a última das quais nesta portaria que referi), situação que provocou e provoca um grave subfinanciamento deste sector e que já levou a que em 2 anos encerrassem 207 camas que tanta falta fazem ao SNS.
Em 2017 e 2018 o Governo contratualizou com os representantes do sector social aumentos para os cuidados continuados. Não cumpriu. Em 2021 acordou aumento de 6% para a tipologia de Longa Duração, mas aumentou apenas 4,9%.
O terceiro sector, como já escrevi noutras ocasiões, está 99% dependente das decisões do Governo. Este, com o dinheiro dos impostos de todos nós, dota os orçamentos dos diversos ministérios com os recursos necessários para fazer face ao aumento da inflação (do qual beneficia mais, pois retira mais recursos aos cidadãos e empresas) e aumenta os funcionários públicos de forma significativa para que não percam “poder de compra”. Para o terceiro sector os aumentos propostos cobrem o salário mínimo e o que sobra não chega nem para aumentar salários aos restantes trabalhadores, nem para cobrir o exponencial aumento de custos de bens e serviços por força da inflação. O Senhor Primeiro-Ministro quer que um jovem licenciado entre para uma empresa a ganhar 1.320€ mensais brutos. Mas não se importa que numa IPSS esse mesmo jovem licenciado entre a ganhar 735€ brutos (Técnico de Educação Especial e Reabilitação), ou 785€ brutos (como é o caso de um fisioterapeuta, terapeuta da Fala ou terapeuta Ocupacional). E também não o choca que o salário mais elevado da tabela de uma IPSS seja o de director, cujo salário bruto mensal é de 1.244€, bem inferior aos 1.320€ do tal jovem licenciado. E está nas mãos do Primeiro-Ministro fazer diferente e criar mais justiça e igualdade para quem trabalha neste sector e que também presta um serviço público. Mas não, faz exactamente o aposto e cria ainda mais desigualdade. É como se a função pública oficial fosse uma casta superior e a função pública não oficial (das IPSS) seja uma casta inferior.
O objectivo deste artigo, e os factos nele descrito, pretendem denunciar uma pequeníssima parte da falta de democracia que existe em Portugal (mais parece de um Estado totalitário), das prioridades do Governo e de boa parte da Assembleia da República, para quem a morte é a prioridade, ao invés de ser os cuidados de saúde a quem está vivo, ou tirar sofrimento a quem está em fim de vida. Igualmente, Governo e Administração Pública não entendem que de tanto querer poupar dinheiro infligindo sofrimento a uma parte da população, acabam por infligir tanto ou mais sofrimento e gastar ainda mais dinheiro do que aquele que pretendem poupar.
Onde está a igualdade entre cidadãos? O respeito e o cumprimento pela lei? A designada Rule of Law? A Comunicação social e comentadores políticos enchem a boca com a Hungria. Cada vez que os oiço falar da Hungria parece que estou a ouvir uma descrição de Portugal. Aqui está tudo bem mas na Hungria está tudo mal.
Quem nos acode destas vigarices, trafulhices e da falta de democracia?