Na sequência de mais um chumbo do Tribunal Constitucional à proposta de legalização da eutanásia, vale a pena voltar a abordar este assunto. Não sendo eu um constitucionalista, não pretendo pronunciar-me sobre a decisão do TC, até porque, embora os argumentos utilizados sejam do foro da semântica, me parece evidente que a decisão está subjacente a motivos de ordem política. Prefiro, portanto, voltar ao cerne da questão e apresentar argumentos a favor da legalização da eutanásia pelo parlamento, sem recurso a referendo popular, sob uma perspetiva liberal.

Argumentos a favor da Eutanásia

A eutanásia, também conhecida por morte medicamente assistida, é um assunto muito delicado e controverso. Ao debater a legalização da eutanásia, aspetos éticos e potencial para abusos devem ser considerados, mas também devem ser levados em conta os direitos humanos, autonomia e autodeterminação do indivíduo, valores importantes numa sociedade liberal. Aqui, apresentam-se alguns argumentos a favor da sua legalização:

Liberdade de escolha. As pessoas devem ter o direito de decidir sobre o seu corpo e sobre as suas próprias vidas. Se uma pessoa sofre de uma doença terminal e deseja pôr fim ao seu sofrimento, deve poder fazê-lo voluntária e conscientemente, de forma digna e indolor.

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Alívio do sofrimento. A eutanásia pode pôr fim ao sofrimento insuportável de uma pessoa com doença incurável, especialmente para pessoas em fase final da sua doença que sentem dores ou desconforto insuportáveis.

Morrer com dignidade. A eutanásia permite que as pessoas morram com dignidade, em vez de serem sujeitas a sofrimento prolongado e a procedimentos médicos. Isto pode ser importante para preservar a dignidade e autonomia de indivíduos em fase terminal de doença.

Referendo, Sim ou Não?

Há aqueles que argumentam que a legalização da eutanásia é uma decisão que afeta a sociedade como um todo e, por conseguinte, deve ser consultada a opinião geral da população. Isso asseguraria uma base democrática para a sua legalização, apoiada pela vontade coletiva da sociedade portuguesa.

Outros argumentam, porém, que os direitos fundamentais não devem ser referendados, ou seja, submetidos a votação popular, porque são direitos universais e inalienáveis, protegidos por leis e tratados internacionais de direitos humanos. A votação popular não é uma forma adequada de proteger tais direitos, pois pode resultar em decisões injustas e discriminatórias.

A questão, portanto, parece ser se o direito à morte é ou não um direito fundamental. Direitos fundamentais são aqueles que são considerados essenciais para a dignidade humana e vida em sociedade, como o direito à vida, liberdade, igualdade, segurança e propriedade.

Por um lado, o direito à vida, tal como estabelecido na Declaração Universal dos Direitos do Homem, sugere (por omissão) que a eutanásia não é um direito fundamental. Por outro, o direito à autodeterminação, tal como estabelecido no Pacto Internacional sobre os Direitos Económicos, Sociais e Culturais, sugere o contrário. Ou seja, no caso da eutanásia, o direito à liberdade de escolha pode entrar em conflito com o direito à vida.

Para um liberal, no entanto, a resposta a esta questão parece clara. A autodeterminação, ou o direito à liberdade de escolha, é também um direito fundamental e, portanto, o direito à eutanásia não deve ser referendado. A sua legalização deve ser decidida pelo parlamento, com base na lei fundamental e nos valores do país.

Em suma, apesar da complexidade e sensibilidade do assunto, é importante levar em consideração os direitos e desejos dos indivíduos doentes terminais e os argumentos a favor da eutanásia. É fundamental equilibrar os valores da autonomia com considerações éticas e implementar salvaguardas legais para evitar abusos, especialmente sobre indivíduos em situação vulnerável. Desta forma, podemos assegurar que os indivíduos possam ser capazes de tomar decisões informadas sobre as suas próprias vidas e sobre quando e como desejam morrer.

É, em última análise, uma decisão que deve ser da responsabilidade de cada indivíduo.