Portugal e o mundo atravessam um momento crucial da nossa história, onde desafios geoestratégicos e ameaças globais sem precedentes nas últimas décadas desafiam os fundamentos da nossa civilização. Presenciamos a emergência inequívoca de um eixo autoritário internacional, cujas ramificações se infiltram na própria essência das democracias liberais. Este ressurgimento do autoritarismo e a crescente tensão global clamam por uma política decidida e destemida, na qual a defesa da liberdade deve assumir prioridade na nossa ação política.

Apesar do momento histórico em que nos encontramos e dos desafios existenciais que enfrentamos, tem-se dado pouca atenção a estes assuntos. Talvez por os Portugueses estarem tão imersos nas muitos problemas que o país atravessa, ou porque subestimamos o potencial de Portugal no mundo, pensando que as ameaças são distantes e não nos afetam, ou, pior, porque as elites políticas se encontram em negação em relação aos perigos que enfrentamos.

As próximas eleições europeias oferecem-nos a oportunidade de trazer estes assuntos para a mesa e de moldar um futuro mais promissor. Este é o primeiro de uma série de quatro artigos em que procuro explorar quatro temas cruciais que revelam o potencial de uma Europa mais liberal e delineiam o nosso caminho em direção a um mundo mais seguro, livre e próspero.

Populismos e Extremismos

Vivemos tempos de desafio e transformação, onde o avanço dos populismos e extremismos ameaça a coesão e os valores da democracia liberal que nos unem enquanto europeus. Esses movimentos, seja na forma de polarização de classe ou de fervor nacionalista, não só comprometem o progresso económico e a prosperidade, como corroem o tecido social europeu, promovendo divisões e minando os princípios de solidariedade e diversidade que enriquecem as sociedades europeias.

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Importa assinalar que alguns desses movimentos são alimentados por atores externos, como a Rússia ou a China. Verdadeiros cavalos de Troia que buscam semear divisões e instabilidade, comprometendo a integridade e a soberania europeias a partir do seu interior. Note-se como o PCP (Partido Comunista Português) é o partido europeu que mais vezes vota contra ou se abstém em resoluções para condenar ou sancionar decisões do regime imperialista (oh, ironia!) de Putin. Ou como muitos dos partidos afiliados do Chega recebem financiamento do regime fascista de Moscovo.

Diante desse cenário, não podemos ficar passivos. É crucial investir na educação para combater a desinformação e promover valores democráticos. O diálogo aberto é essencial para fortalecer a nossa democracia, mas não podemos tolerar a intolerância. Devemos ser firmes contra movimentos que promovem ódio e divisão. A intolerância, especialmente quando manifestada por movimentos extremistas que negam os direitos fundamentais de outros, deve ser enfrentada com determinação, preservando a liberdade, a dignidade e a segurança de todos os cidadãos.

A estratégia contra o populismo e extremismo deve ser abrangente, combinando educação cívica, debate público saudável e a promoção incansável dos valores da democracia liberal. Devemos construir uma Europa onde a diversidade de pensamento seja celebrada dentro de um quadro de respeito mútuo e respeito pelos direitos humanos.

Para enfrentar o desafio dos populismos e extremismos, também é essencial abordar as suas causas subjacentes. A percepção de corrupção e falta de responsabilização por parte das elites políticas e económicas mina a confiança nas instituições democráticas. A falta de representatividade política e acesso desigual à educação e oportunidades também contribuem para o descontentamento popular. Políticas que promovam transparência, prestação de contas e igualdade de oportunidades são essenciais para combater o eurocepticismo e restaurar a confiança na democracia.

Investir nesses valores é fundamental para construir uma sociedade mais justa e próspera, onde todos os cidadãos tenham voz legítima no processo democrático e acesso igual às oportunidades de desenvolvimento.

Autonomia Estratégica

A busca por uma Europa mais forte e unida não é apenas um desafio interno, mas também uma necessidade no contexto global atual. A autonomia estratégica é essencial para o fortalecimento da União Europeia no palco global, não como um bloco isolacionista, mas como um agente capaz de interagir e influenciar de forma positiva o equilíbrio global de poderes, defendendo os valores da liberdade, inovação e segurança, mantendo-se fiel aos princípios da democracia liberal.

Neste sentido, é crucial que a Europa diversifique as suas fontes de energia, reduzindo a sua dependência de fornecedores externos que possam exercer pressão política e económica. Apesar de, por vezes, parecer que estes são problemas distantes que não nos dizem respeito, todos nos lembramos do impacto no custo da energia que se seguiu à invasão da Ucrânia pela Rússia. Investir em energias renováveis não apenas garante a segurança energética, mas também está alinhado com os objetivos de sustentabilidade e combate às mudanças climáticas, fortalecendo assim a posição da Europa no palco global.

Além disso, é fundamental apostar no poder da inovação tecnológica e no reforço da indústria como motores do crescimento europeu. Isso envolve políticas para atrair talento global, incentivar a Investigação & Desenvolvimento e revitalizar a produção industrial dentro da Europa, especialmente em setores estratégicos como a energia, defesa e semicondutores. O desenvolvimento e a produção interna de tecnologias críticas não apenas aumentam a segurança e a independência da Europa, mas também estimulam a economia, criam empregos de qualidade e promovem a inovação.

Uma Europa mais autónoma é uma Europa mais segura. A autonomia estratégica europeia exige uma política externa e de defesa coesiva e assertiva, que respeite a soberania de cada Estado-membro, mas que esteja alinhada de forma a ganhar peso e influência políticos globais. Uma estratégia que beneficia a Europa no seu todo, mas especialmente os estados pequenos e médios como Portugal, ao garantir uma voz forte e unificada no cenário internacional. Esta política deve estender-se também a um alinhamento estratégico com o eixo atlântico e outras democracias que partilham os nossos valores.

É importante salientar que a busca pela autonomia estratégica não implica isolamento. Pelo contrário, ao fortalecer sua posição interna, a Europa estará melhor equipada para oferecer liderança global e contribuir de forma significativa para uma coligação de democracias. Esta abordagem permite à Europa não apenas defender os seus interesses e valores mas também promover um mundo mais estável, pacífico e baseado nas regras do direito internacional. A autonomia estratégica não é apenas um objetivo – é o caminho para uma Europa mais livre, justa e próspera.

Segurança e Defesa

A segurança e defesa da Europa enfrentam desafios sem precedentes na era moderna. Numa época de ameaças híbridas, que incluem ciberataques, manipulação de cadeias de abastecimento e o uso de fluxos migratórios ilegais como ferramentas de pressão política, é essencial uma política de segurança e defesa comum da União Europeia para proteger os seus cidadãos e interesses.

Não podemos ser ingénuos e pensar que ameaças que parecem distantes – como a invasão não provocada da Rússia à Ucrânia, os ataques entre o Irão e Israel, ou as tensões no Mar da China – não representam perigo para Portugal. A realidade é que assistimos à emergência inequívoca de um eixo autoritário internacional e vivemos num mundo interligado, onde as fronteiras da segurança são fluidas e os impactos podem ser sentidos em toda a Europa, inclusive em Portugal. A resposta deve ser coletiva e baseada nos valores fundamentais que da União Europeia: democracia, liberdade e direitos humanos.

Para enfrentar ameaças transnacionais e fortalecer a segurança coletiva, é imperativo promover a cooperação entre os estados membros da UE, potencializando a defesa comum europeia prevista no Tratado de Lisboa. Este esforço visa fortalecer a componente europeia dentro da NATO, tornando-a um parceiro mais robusto e incontornável. Esta colaboração deve estender-se a democracias ocidentais, promovendo não apenas a partilha de inteligência e coordenação militar, mas também no desenvolvimento de tecnologias de defesa e estratégias contra ameaças comuns.

A modernização e expansão das forças armadas europeias são essenciais para enfrentar as novas ameaças. Isso inclui repensar estratégias, aumentar os gastos com defesa (depois de décadas de desinvestimento) e investir em capacidades militares avançadas. Sem defender a criação de um Exército Europeu, que exigiria uma integração política que a Europa não tem, é essencial garantir a  complementaridade e interoperabilidade entre as forças armadas dos Estados membros para uma resposta rápida e coordenada. A autonomia estratégica da Europa em pesquisa e desenvolvimento tecnológico, bem como no fortalecimento da indústria europeia de defesa é vital para garantir a segurança e independência.  Portugal, em linha com esses esforços, deve atualizar o seu Conceito Estratégico de Defesa Nacional, priorizar a defesa na dimensão Atlântica, investir em cibersegurança e na gestão de fronteiras em cooperação com os parceiros da União, de forma a contribuir positivamente para a segurança nacional e europeia.

As ameaças híbridas exigem uma abordagem abrangente que combine hard power e soft power, envolvendo capacidades militares avançadas e ações diplomáticas coordenadas. Nesse sentido, é fundamental que a UE respeite o direito internacional e promova o multilateralismo como princípios norteadores na abordagem da segurança e defesa. Ao fazê-lo, a Europa não apenas protege seus interesses, mas também reafirma seus valores fundamentais, promovendo um mundo mais seguro e baseado no respeito mútuo.

O Papel da Europa no Mundo

A Europa, com a sua rica história de inovação, diversidade cultural e compromisso com os valores democráticos, está numa posição única para exercer uma liderança global forte. Para efetivar este papel, a Europa deve adotar uma estratégia multifacetada que não apenas promova seus interesses estratégicos, mas também contribua positivamente para o bem-estar global.

A Europa deve ser um catalisador global de inovação, adotando um ambiente regulatório equilibrado e propício ao desenvolvimento tecnológico. O compromisso com o comércio livre deve ser renovado, removendo barreiras comerciais desnecessárias e fortalecendo as relações comerciais internacionais. Esta abordagem visa dinamizar a economia europeia e estabelecer a Europa como um líder global na definição de padrões de desenvolvimento sustentável.

Para recuperar sua posição de liderança global, a Europa deve não só investir na educação e formação dos seus cidadãos, mas também tornar-se um polo de atração para talentos de todo o mundo. Isso implica a criação de políticas de imigração que facilitem a entrada de profissionais altamente qualificados, investigadores, inovadores e empreendedores.

Uma Europa mais inclusiva e multicultural não só enriquece a sociedade europeia, mas também fortalece sua posição global. A promoção da inclusão deve vir acompanhada de políticas que garantam a integração efetiva de imigrantes, respeitando a diversidade cultural sem comprometer os valores fundamentais da sociedade europeia.

A Europa deve permanecer intransigente na defesa dos valores da democracia liberal, incluindo o Estado de direito, direitos humanos e liberdades fundamentais. Estes valores são não apenas o alicerce das sociedades europeias mas também constituem a mensagem mais forte que a Europa pode transmitir ao mundo. Defender estes valores implica também promover a democracia globalmente, apoiando países que lutam pela liberdade e contra o autoritarismo.

Além disso, a UE deve adotar uma abordagem proativa na promoção da paz, segurança e estabilidade em todo o mundo, por meio da diplomacia, cooperação e ajuda ao desenvolvimento. É crucial fortalecer as relações da UE com parceiros estratégicos com base em valores compartilhados e interesses comuns. Portugal, complementarmente, deve liderar o fortalecimento das relações com o Sul Global através da Lusofonia. Destacar o soft power da UE, incluindo a sua influência cultural, diplomática e económica, é fundamental para promover os seus objetivos no cenário global.

Neste momento decisivo da história, é fundamental enfrentar os desafios globais com visão, coragem, e determinação. O avanço dos populismos e extremismos, a necessidade de uma autonomia estratégica europeia, a segurança e defesa da nossa união e o papel da Europa no mundo são pilares essenciais para forjar um futuro mais seguro e próspero. É por isso imperativo que o país, desde as elites políticas até à sociedade civil, se empenhe na discussão e na procura de soluções para os desafios que enfrentamos. Através de diálogo aberto e colaboração, com coragem e determinação, podemos construir um Portugal e uma Europa onde a liberdade e os valores democráticos são preservados e promovidos em todas as suas formas.

Aos leitores que me acompanharam até aqui, o meu sincero agradecimento. É crucial que continuemos a debater e refletir sobre os desafios que a Europa enfrenta, e o vosso interesse e envolvimento são fundamentais para esse processo. Finalmente, faço um apelo a todos para irem votar no próximo dia 9 de junho. Independentemente das preferências ideológicas de cada um, é fundamental exercer o direito de voto… recusando soluções populistas que, num momento de extrema importância, representam uma ameaça à coesão europeia e à liberdade que tanto custou a ganhar.