Um avião de papel voa pela janela e sobrevoa a copa das árvores caindo no chão sem se escangalhar, pois a leveza do papel conserva-o sem se desfazer. Assim, sem passageiros nem maquinaria de alta tecnologia, não há o perigo de qualquer dano. Sonhar que se voa, de braços abertos e peito aberto, transpõe os limites da realidade e liberta o risco de uma queda abrupta.

A possibilidade de (des)enclausular alivia o constrangimento das frustrações da rotina. Dentro dos consultórios, e em conversas passageiras, ouvem-se constantes queixumes da vidinha preenchida de deveres e obrigações. Desabafos de querer largar tudo para voar para longe. Mas será que soltar amarras levará a um desprendimento absoluto? E o que fazer com uma atitude que não é inconsequente?   A necessidade de libertação dos pesos de tantos encargos poderia levar a impulsos fracturantes ou implosões de frustração e alheamento. Verdade, que mal para o próprio, acontecem mais implosões do que explosões! A noção de responsabilidade e certa culpabilidade impera.

É possível voar pelo mundo fora sem sair do sofá. É possível sonhar e planear a médio/longo prazo sem precipitações e sem danos colaterais relacionais. O estado de saturação de uma pressão diária inviabiliza um certo desfrutar das coisas boas da vida vidinha. Mas é possível encontrar esses escapes sem contornos de ruturas com o próprio e/ou com os outros. É necessário para o bem estar pessoal descobrir um equilíbrio entre a aterragem e o voo, entre o possível e o impossível, entre a realidade e a fantasia.

Um dos desafios do ser adulto é encontrar precisamente esse balanço constante entre as aspirações pessoais, familiares, profissionais e sociais. As ligações aos outros não permitem decisões unilaterais. Quem o faz é logo acusado de egoísta. Quem abdica de si em função do outro, aos olhos externos é admirado por ser altruísta. Um curioso juízo de valor, pesando mais o olhar colectivo do que o individual. Um contrassenso em relação ao proferido comumente como as sociedades actuais serem cada vez mais egoístas. Ou será o conflito moral entre o dito e a falta de coragem para o fazer?

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Assumindo uma perspectiva sob o ponto de vista individual, é mais do que sabido que para a saúde mental prevalecer, as necessidades pessoais devem ser satisfeitas tal a coerência da pirâmide das necessidades básicas de Maslow.

Para a harmonia psicológica prevalecer, começar por identificar quais são essas necessidades a cumprir e como as cruzar com o tecido familiar e social envolvente, é um desafio. Poder usufruir de momentos de evasão para fazer o balanço é essencial para ganhar distanciamento e desenvolver uma reflexão para estabelecer ambições pessoais. Não sendo concretizável evasões que passem por apanhar o avião, considerando o desejo de viajar a fórmula mais directa para o fazer, olhar para as nuvens ou ver os tais aviões de papal a esvoaçar sob as copas das árvores, poderá ajudar na mudança de quem olha só na linha de pés no chão. Procurar pontos de fuga que inspirem ideias para equilibrar essa vontade de partir e ter de ficar, poderá até provocar uma reconciliação com os motivos implícitos às decisões de ancorar. Estimular a criatividade é um passo para encontrar soluções para a viabilização das escapadelas à rotina mais chata e à compensação do esforço da pressão diária. Não deixar que a também pressão da necessidade de evasão seja, paradoxalmente, um peso para o ter de fazer. Afinal, nem sempre é indispensável partir para se sentir internamente solto e com capacidade evasiva. O pensamento, a arte, o ar livre são per si um trampolim para ascender a uma sensação de maior libertação.

anaeduardoribeiro@sapo.pt